PRESERVAR O PATRIMÔNIO CULTURAL É UM DESAFIO GLOBAL

Por Natania Nogueira.

         Em uma viagem recente, encontrei prédios em estado de abandono em pleno centro histórico da cidade, edifícios cobertos de pichações e vi turistas desrespeitando o patrimônio, jogando lixo pelas ruas. Eu poderia estar descrevendo uma realidade tipicamente brasileira, mas estou falando de cidades como Paris, Lisboa e Amsterdã. Se não tivesse visto, talvez duvidasse caso alguém me contasse. Impossível deixar de comentar sobre o assunto, uma vez que, no Brasil, enfrentamos uma batalha incessante para tentar preservar o nosso patrimônio cultural. A preservação do Patrimônio Histórico e Cultural é um desafio para todos os países.

A diferença talvez esteja na motivação e no empenho de alguns governos e no valor que se dá à memória em cada nação. Em Portugal, por exemplo, o país tem no turismo uma das suas mais importantes fontes de renda. A política voltada para a preservação é dura e danos ao patrimônio são severamente punidos. Afinal, não se trata apenas da preservação da memória e da cultura, mas de um filão da economia que, a cada ano, ganha mais importância.

Recentemente, o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, defendeu a importância de promover o patrimônio e a cultura portuguesa em um evento durante a inauguração de uma exposição em Luxemburgo. Segundo ele, os turistas se interessam por história e cultura, portanto, essas se tornaram áreas estratégicas para a economia do país.

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E isso pode ser notado nas ruas de Lisboa e de cidades como Sintra. O turismo emprega boa parte da mão de obra local, e é dele, também, que imigrantes vindos de 3 países africanos e asiáticos tiram seu sustento.  Nada mais comum do que encontrar indianos e africanos vendendo brincos e colares nos principais pontos turísticos de Lisboa.

Uma atração em Lisboa, por exemplo, são os Tuc Tucs. Há dezenas deles circulando pelas ruas. Conversei com uma jovem motorista, na faixa dos 20 anos. Portuguesa, ela nos contou, durante um passeio, como o emprego é difícil em Portugal e como trabalhar com turismo se tornou uma forma dos jovens terem algum rendimento. E falando em jovens, é difícil encontrá-los nas ruas de Lisboa. No transporte público prevalecem os idosos. Segundo um amigo português, uma boa parte tenta a vida em outros países, pois há poucas oportunidades em Portugal.

Podemos vislumbrar duas realidades distintas. A preservação de alguns edifícios históricos e o abandono de outros. No centro de Lisboa, é possível flagrar vegetação crescendo nos tetos e prédios abandonados, marcados pela pichação. Nos bairros, este problema é ainda mais visível. Por outro lado, há uma real preocupação do governo com o cuidado do seu patrimônio, mas algumas leis ultrapassadas colaboram para que muitas construções sejam praticamente abandonadas pelos proprietários, a quem nem mesmo alugar vale a pena.

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Não apenas Portugal, mas Amsterdã, no caminho entre o aeroporto e o centro da cidade, pode-se encontrar tanto estações de trem quando edifícios e muros marcados por pichações. Em Paris, ocorre o mesmo, apesar de que o centro da cidade é quase que impecável. Mas as estações de metrô, pelos menos algumas onde estive, estão longe do ideal de perfeição que eu tinha. São enormes, modernas, mas sujas. Senti constantemente o cheiro de urina e lá, também, encontramos muitas paredes pichadas.

Se citei, por várias vezes, o problema representado pelo vandalismo nestas cidades, é porque se o contextualizarmos vamos perceber que ele representa algo muito maior do que o desrespeito ao patrimônio.  O vandalismo pode ser entendido como um efeito perverso da globalização.

Migrações sempre ocorreram, durante toda a história humana. De fato, sem elas não haveria povoamento. Em momentos de crise, como guerras, foi comum que grandes contingentes populacionais se deslocarem para outras regiões ou mesmo continentes.

Mas, se dos séculos XVI a XIX, este deslocamento se fez, em maior parte, em direção à periferia, agora o que ocorre é o contrário. Desde a descolonização, vem aumentando progressivamente o número de imigrantes vindos das ex-colônias europeias. Eles buscam por emprego e estabilidade em países considerados ricos e encontram subempregos e perseguição, seja por razões étnicas ou religiosas.  Por outro lado, os jovens nascidos em países europeus também encontram dificuldade em conseguir empregos.

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Logo, o vandalismo pode sinalizar para uma situação social conflituosa, marcada pela incerteza em relação ao futuro, e pelo medo de novas crises político-econômicas. É uma forma de protesto, de expressão, daqueles que sofrem com os efeitos da desigualdade social e com a falta de oportunidades, ainda que ilegal e destrutiva. É um alerta, uma forma de se dizer que muita coisa está ruim que é preciso mudar.

Assim, independentemente de estarmos no Brasil, na França, em Portugal ou na Holanda, compartilhamos, em maior ou menor grau, os mesmo problemas. Se por um lado cresce a preocupação com a preservação, por outro, ações opostas representam muito mais formas de protesto com relação à desigualdade, por exemplo, do que necessariamente ausência de educação patrimonial.

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Prédio abandonado em Lisboa.

 

 

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