Apesar das restrições e tabus, a juventude banhava em sexo no início do século XX. Considerados altamente eróticos, os seios, mesmo os maternos eram escondidos, como conta Geraldo Holanda Cavalcanti: “Certa vez em que o cromo que acompanhava a Revista da Semana representava uma negra amamentando um bebe, a revista sumiu nos arcanos do baú onde mamãe guardava tudo pretendia esconder de nossos olhares inocentes”.
Como no passado rural, o convívio com animais dava ideias libidinosas, comprovadas por Veríssimo, mesmo nas cidades: “Havia também bichos no pátio e naquelas casas: cachorros, gatos e clandestinamente, ratos. Os animais faziam o amor ao ar livre, à vista de todos, ao passo que os rapazes e raparigas escondiam-se atrás das portas ou no fundo dos porões. E eu que ainda era virgem, vivia em permanente excitação ante aqueles espetáculos eróticos”.
Dali para a experimentação, era um passo:
“Mas…como se processava a minha educação sexual? Ora, nisso eu não era diferente dos outros meninos da minha idade. Nossos companheiros viviam a contar uns aos outros “estórias de safadezas”. Por outro lado, entreouvíamos as conversas obscenas dos mais velhos. Nossas próprias criadas adultas encarregavam-se de fazer diante de nós referências veladas ou claras, e quase sempre de natureza jocosa, ao sexo e ao ato sexual. Mais de uma vez os componentes de nosso grupinho empenhavam-se em torneios fálicos, para verificar qual de nós era “o mais bem armado”. Essas liças processavam-se em nossos esconderijos, sob risadinhas mal abafadas […] Agora precisamos ver a coisa das mulheres – sugeriu um dos companheiros. E daquele momento em diante nos transformamos em espiadores de vulvas. […] Contentávamos-nos com conjeturas: “É só uma racha…com cabelos em roda, quando a mulher é grande – dizia um. Outro adiantava: “ouvi dizer que parece um figo aberto”. Um terceiro informava: “Dizem que as chinesas e as japonesas tem a coisa enviesada, como os olhos”.
“Eu não saberia dizer com que idade me alistei como soldado na legião de Onan. Mas me lembro – isso sim – de meu harém imaginário composto de retratos de artistas de teatro e de cinema que as revistas do Rio de Janeiro – principalmente o Eu Sei Tudo me forneciam…Por muito tempo a minha favorita foi a brava Pearl White …porque usava ousados maios de banho que lhe deixavam um bom palmo de cada coxa a mostra…Estava eu um dia escondido num canto, empenhado num ato desse amor proibido, quando notei que de meu sexo esguichava um líquido de aspecto leitoso…Imaginei que aquela perda seminal me ia deixar terrivelmente debilitado. Lera, em publicações protestantes contra a masturbação, que uma gota de esperma valia uma gota de sangue…Era voz corrente que aqueles jogos manuais acabavam deixando o jogador reincidente sem memória, fraco da cabeça e até meio idiota”.
De fato, as doenças decorrentes da masturbação eram listadas por médicos e padres confessores desde sempre. Gilberto Freyre contou que, aos quinze anos, fez a leitura do livro Sexology, em que um médico admoestava: “perda de memória, indolência e declínio da inteligência” eram marcas visíveis dão pecado solitário. Nos colégios internos, como o que frequentou Pedro Nava, os alunos que tinham lapsos de memória eram identificados pelos professores como “punheteiros”. Os “livrinhos de putaria”, comprados livremente nas bancas de jornais, estimulavam a imaginação juvenil. O problema era escondê-los. Agripino Grieco recorria a outras imagens: “Nesse tempo, as carteirinhas de cigarro costumavam trazer figuras de lindas mulheres nuas, em atitudes mais ou menos provocadoras. Pois o meu maior prazer era roubar dinheiro na gaveta de casa para ir adquiri às dúzias essas carteirinhas”.
Ao formar-se no tradicional colégio Pedro II, em 1916, Nava dizia ter conquistado com louvor o “diploma do terceiro grau” de sua educação pornográfica: posições, descrição dos órgãos, doenças venéreas, palavras impudicas, as matérias eram inúmeras. Banheiros, carteiras e paredes se enchiam de desenhos obscenos. Segundo ele, tudo colaborava para descomprimir o ambiente sufocante onde tudo era recalcado. O jovem confraternizava, igualava-se e gratificava-se com o proibido. O historiador Paulo Sérgio do Carmo sublinha que ao ser educada em moldes tradicionais, a juventude seguia acreditando, como seus avós, que o corpo era algo impuro, devendo na medida do possível ser ocultado, pela vestimenta e mesmo negado. Além disso, eram tidas como “inferiores”, “vergonhosas”, “baixas” e “sujas” as partes corporais vinculadas à sexualidade.
Segundo tais normas morais, explica do Carmo, os órgãos genitais não deviam ser tocados ou contemplados. Se possível, eles deveriam se comportar como se o sexo não fizesse parte de sua vida. Acreditava-se que o despertar da sexualidade masculina merecia um tratamento diferenciado daquele reservado às mulheres. Contra o ideal de castidade das moças, a iniciação sexual precoce valorizava os rapazes. Tal como no passado, a admissão de doenças venéreas, quase obrigatória, era valorizada como prova de virilidade. A mentalidade machista e patriarcal da sociedade os incentivava a todos os excessos enquanto, as moças não podiam ter qualquer liberdade.
Essa era a tese: uma sociedade repressiva onde as moças não ousavam. Não ousavam por que rapidamente eram colocadas de lado, com a pecha de “perdidas”. Como bem dizia Nelson Rodrigues, “Eu poderia fazer, aqui, todo um capítulo sobre o pudor. O comportamento do homem e da mulher até princípios de 1919 era medieval, feudal ou que outro nome tenha. Psicologicamente, ainda não ocorrera para nós a abertura dos portos. A mulher que ia ao ginecologista sentia-se, ela própria, uma adúltera”. Muitas, porém, ultrapassavam as barreiras. Deixavam-se tocar, eram curiosas. A própria Tônia Carrero, por exemplo:
“Ué, como é que é tudo isso? E querendo descobrir sempre mais e se fazendo de sabida, deixa os primos maiores tocá-la por sobre a calcinha. Sente um calorzinho. Outro, senta ela no colo, num pulo se levanta. Decididamente eles têm que entender – ela é séria. Está interessada é na pesquisa. Não é sem-vergonha. O jeito é talvez contar pro padre. Porque a família decidiu que Luzinha devia fazer junto com o irmão do meio a primeira comunhão. Que bom. É como vestido de noiva. Ajeita o véu, os sapatinhos vão aparecer bem com a saia comprida, mamãe? E luvinhas… Divino. Mas, e por dentro? E da alma, cuidou? Semanas de catecismo, piedosa, imitando as freiras no passo compassado ao entrar na fila com as outras meninas na igreja (Tudo, qualquer sacrifício, contanto que me deixem fazer essa primeira comunhão). “Tem que escrever um verso para o Senhor” , mandou a madre. “Meu Deus, meu coração se inflama de amor por Vós”, e depois … que mais? Tem que rimar, ou dizer mais alguma coisa. O quê? Anda pelo quintal, perambula, procurando se concentrar no amor divino. Que não vem. Não vem mesmo, de jeito nenhum. O que vem, e muito, é o padre. Tenta se descartar desta memória – não consegue. Isso é pecado? Se é, a quem contar? O calafrio daquela voz por trás da gradinha, bem peno do ouvido dela. Sente o bafo. Aquela voz baixa, grave, pede detalhes.
– O primo apalpou você? Com a calcinha? Ah, pelo lado, é? Você gostou, minha filha? Então é pecado maior. Que mais você fez de feio?
– Não sei, padre, depois vou tentar me lembrar.
Meu Deus, e no domingo seguinte o que mais vou contar? Que coisa delirante. Aquele homem interessado nas coisinhas dela. Será que a mãe sabia? Como é que deixava? Não me falou nada sobre isso. Ela mesma nunca perguntou, imagina!
Ou a desassombrada prima de José Lins do Rego: “Eugenia voltara de Cabedelo. E nem parecia à mesma. Uma tarde, porém saímos todos em passeio. Eu e Eugênia nos adiantamos bastante do grupo. Ela me puxou pelo braço e nos escondemos numa moita de cabreira: – Vamos fazer porcaria – e levantou o vestido sem calças. Vi tudo outra vez como numa iluminação, vi-lhe as partes sombreadas e ela me arrastou para perto de sua carne nua. Roçamos os nossos desejos em botão. Saímos a correr a estrada afora e paramos à espera dos outros na porta do Pinheiro. Os meninos nus espiavam para nós com olhinhos compridos. Eugenia não revelava o menor estremecimento. Estava como viera […] A prima e aquele gesto de suas mãos para que pudesse sentir de perto o calor de suas partes escondidas. A periquita da prima da cidade […] aquela periquita que era o segredo do mundo”.
O ideal era a moça virginal, a que não sabia ou fingia nada saber, como a namorada de Pedro Calmon: “No final da rua habitava o primeiro amor. Era Vivi Caymmi, tão pequena que cabia no patamar da janela. Desabrochou vagarosamente no portão de ferro, onde conversávamos as futilidades e os ideais da adolescência que chegava com seu trinado de primavera – e daquelas noites perfumadas de jardim e inocência”.
E houve aquelas que foram forçadas a aprender, como relatado, em 1930, por Humberto de Campos, sobre uma jovem que ficou dos 14 aos 17 anos interna no Colégio Notre Dame de Sion, em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro:
“Ao fim de algum tempo quando os parentes iam visitá-la no colégio, a pequena caía em choro repentino…concluído o curso voltou definitivamente para a companhia da família – quando confidenciou:
– Há no colégio um capelão, o Padre Magalhães, que é o homem mais infame do mundo. Esse miserável não podia encontrar uma de nós, as maiores, sem nos apalpar, dizendo-nos as coisas mais indecentes. Mesmo no confessionário, ele fazia e dizia tudo o que é possível imaginar para perverter uma menina”. Ao final do ano levava as preferidas para a capela, tirava a custódia do santuário e fazia-nos sob, pena de perder a nossa alma, jurar que não contaríamos em casa o que ele fazia”.
- “Histórias da Gente Brasileira – vol 3”, de Mary del Priore. Editora Leya, 2017.

“Rolla”, de Henri Gervex (1878)