Os “Arcos do Jânio” e o grafite: valorização ou desrespeito ao patrimônio?

Por Márcia Pinna Raspanti.

Nunca se falou tanto sobre preservação do patrimônio histórico como nos dias atuais, pelo menos em São Paulo. A polêmica começou quando a prefeitura autorizou uma obra de grafite no muro de arrimo dos chamados “Arcos do Jânio” ou “do Bixiga” no acesso para a Avenida 23 de Maio (Veja o histórico abaixo).  A discussão se tornou acalorada, dividindo a população. Mais que debater gostos pessoais ou preferências políticas, acredito que devemos refletir sobre o impacto da ação no nosso patrimônio, já tão castigado, não apenas em São Paulo, mas em grande parte das cidades brasileiras.

De acordo com a arquiteta Nádia Somekh, presidente do Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo), que autorizou o grafite no local, a intervenção buscou dar maior visibilidade ao patrimônio, que sofria com as pichações. “O muro de arrimo está pintado com tinta impermeabilizante há cerca de seis anos. O mesmo acontece com os tijolos que foram fabricados com uma técnica pouco usada no Brasil da época, trazida por imigrantes italianos. É bom destacar que o grafite foi realizado apenas no muro de arrimo, não afetando os tijolos”, explica.

Nádia informou também que os tijolos devem ser restaurados. É necessária uma avaliação técnica das tintas que foram utilizadas ao longo dos anos. “Já conversamos com a atual administração e demonstramos a importância da restauração. Aqueles arcos representam um documento importante para a história da cidade”.  Quanto ao conteúdo do grafite, a presidente do Conpresp afirma que o conselho não pode intervir. “O artista tem liberdade para realizar a sua obra. É bom lembrar que o grafite é uma arte efêmera, que pode ser alterada a qualquer momento”.

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A intervenção suscitou uma discussão bastante interessante que envolve duas visões diferentes a respeito da preservação patrimonial. A tradicional defende que o patrimônio deve permanecer “original”, sem mudanças de qualquer tipo; e uma mais moderna, que admite intervenções para sua valorização. “Acredito na segunda corrente, mesmo porque as restaurações já alteram de alguma forma a obra. É importante facilitar o diálogo entre a população e o patrimônio da cidade, deixando sempre claro as ações realizadas”, diz.

O professor Paulo de Assunção, doutor em História pela USP e pela EHEES de Paris,e autor do livro “História do Turismo no Brasil, entre os séculos XVI e XX”, acredita que a polêmica em torno do grafite nos Arcos do Bixiga foi causada pelo fato “de não estarmos acostumados com esse tipo de abordagem”. “Para a maioria da população, o patrimônio deve ser ‘imexível’. Mas, acredito que a intervenção representa uma possibilidade de diálogo muito avançada e interessante com a cidade. O grafite é quase um grito chamando a atenção para a existência dos arcos”.

Assunção apenas questiona o conteúdo do grafite. “Acho que poderia se propor uma obra que abordasse a história da cidade, com a mediação do poder público, dando uma direção ao artista”. O professor, contudo, ressalta que o grafite tem o grande mérito de ter dado destaque à preservação patrimonial em São Paulo. “O nosso patrimônio está dilapidado e esquecido. Este tipo de intervenção pode ser uma forma de valorizá-lo”, diz. Assunção defende ainda o ensino de educação patrimonial no Ensino Fundamental.

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A polêmica não se restringe ao Brasil. Todos lembramos de quão controversa foi a construção de um conjunto de edifícios em forma de pirâmides no Museu do Louvre, ou da confusão criada em torno de um grafite realizado, inclusive por artistas brasileiros, na fachada do castelo Kelburn em Edimburgo, na Escócia. Por aqui, o debate ainda deve se prolongar por muito tempo, mesmo porque a tendência é que haja outras intervenções do tipo no Brasil, mesmo com a resistência dos mais conservadores. Quem sabe se assim acordamos para a responsabilidade de preservar e valorizar a nossa história?

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Um muro de arrimo foi construído entre 1908 e 1914 para conter a encosta da Rua Jandaia, na Bela Vista. Composto por 21 módulos, em arcos separados por pilastras, o muro preenche o desnível existente entre as ruas Jandaia e Assembleia, alcançando cerca de onze metros em seu ponto mais alto.

Aos poucos, uma faixa de terreno compreendida entre o muro e a Rua Assembleia foi ocupada por sobrados, datados da década de 1930. Construídos com os fundos voltados para o “paredão da municipalidade”, os sobrados o encobriam em grande parte. Um projeto de reformulação viária, elaborado nos anos 60, previa a interligação das avenidas 23 de Maio, Brigadeiro Luis Antônio e a recém-aberta Radial Leste-Oeste. O processo de desapropriação de casas da Rua Assembleia foi aberto, prevendo-se sua demolição. Enquanto se efetuava o pagamento das indenizações, as casas foram invadidas por famílias carentes, situação que perdurou por vários anos.

A prefeitura obteve a reintegração de posse somente em 1987, quando foi feita a demolição das casas e a integração da área à malha viária urbana, com a criação de um acesso entre a 23 de Maio e a Radial Leste-Oeste. Assim, foram descobertos os famosos arcos, que ficaram conhecidos pelo nome do prefeito que realizou a demolição, Jânio Quadros.

Fonte para o Histórico: Prefeitura de São Paulo.

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