O fascismo no Brasil

      O regime de Vargas intitulou-se Estado Novo e foi inspirado da ditadura instituída por Salazar em Portugal, em 1933. Mas não se tentou copiar apenas um tipo de regime autoritário. O fascismo atravessou o Atlântico na forma de uma organização: a Ação Integralista Brasileira, fundada em 1933. Com símbolos, – a bandeira azul com círculo branco e o sigma sobreposto ao mapa do Brasil, no centro – uniformes – calças e bonés verdes com gravatas pretas -, os integralistas foram apelidados de “galinhas verdes”. Cumprimentavam-se com a saudação em língua Tupi, “Anauê”, com braço esticado e mão espalmada e desfilavam com pompa em paradas militares no Rio e São Paulo. O movimento vivia num tremendo paradoxo: contrários ao capitalismo internacional, nunca questionaram a propriedade privada. Apesar de nacionalistas, copiavam seus conceitos do fascismo italiano. Era um movimento antissocialista, antissemita e antiliberal.

     Mas, por favor, sem ilusões. O integralismo não foi uma cópia ordinária do fascismo nos trópicos. Hoje, graças a centenas de historiadores, sabe-se que o movimento teve reflexos específicos em todo o Brasil. No Norte, ele integrou negros e mulheres, as “blusas verdes” que atuavam em escolas, ambulatórios e creches integralistas que atendiam a população pobre por meio de entidades filantrópicas. Em São Paulo, encontrou enorme resistência entre italianos anarquistas e comunistas. No Rio Grande do Sul, teve adesão onde não havia mobilidade social e onde jovens queriam ascender ao mercado político. A ligação integralismo-nazismo, no Sul, foi menos direta do que o imaginado por décadas, pois havia inúmeras diferenças ideológicas dentro das próprias colônias alemãs. No Nordeste, foi recebido, não como movimento político, mas espiritual. Teve a adesão de grandes intelectuais católicos inclusive do padre Helder Câmara, membro da Arquidiocese cearense. A valorização dos “aspectos morais” contra os males do liberalismo, do modernismo e do comunismo era o bordão que sustinha emissões de rádio, comícios e cantos nos desfiles. A ameaça e a desordem eram os grandes inimigos da pátria que “tinha que ser endireitada”. Hitler e Mussolini: quem os conhecia nos grandes sertões do Brasil? Quase ninguém… – lembra a historiadora Giselda Brito Silva.

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Lélia Abramo os enfrentou em São Paulo:

     “Em 7 de outubro de 1934, na Praça da Sé todos nós engajados na luta antifascista (trotskistas, socialistas, anarquistas, stalinistas e democratas) enfrentados, com armas na mão ou sem elas, a organização fascista-integralista comandada por Plínio Salgado. Os integralistas avançavam todos fardados, bem armados, enquadrados e prontos para uma demonstração de força, protegidos pelas instituições político-militares getulistas e dispostos a tomar o poder. Nós, espalhados ao longo da praça e nas ruas adjacentes, esperamos pacientemente que desfilassem primeiro as crianças, também fardadas, e as mulheres integralistas. Depois disso, quando os asseclas de Plínio iniciaram seu desfile, todos nós, a um só comando, avançamos e começou a luta aberta. Não me lembro quanto durou o tiroteio”.

     Vargas não poupou os “galinhas verdes”. Jogou a Ação Integralista na ilegalidade.  Injuriados, 2000 integralistas do Exército tentaram tirar Vargas do poder, em março de 1938. O golpe fracassou e a repressão foi branda. Acreditando que havia espaço para nova tentativa, a 10 de maio de 1938, oitenta deles atacaram o palácio Guanabara. Essa noite ficou na memória de Luiz Simões Lopes, chefe de gabinete de Vargas que recebeu a noticia em meio a uma conversa com um amigo, Serafim Vargas, sobrinho do presidente:

     “Na noite da intentona integralista, eu estava despachando com o presidente no palácio Guanabara […] Terminado o despacho, pouco antes da meia-noite, usando meu carro particular – naquele tempo não havia essa orgia de carros oficiais que há hoje, fui para o Catete.

    Estávamos iniciando nossas conversas quando o telefone oficial avisou: “Estão atacando o Palácio Guanabara”! Contestei: “Impossível, estou chegando de lá e está tudo tranqüilo” Ante a insistência da informação, Serafim e eu dirigimo-nos para o Guanabara. As luzes da Rua Paissandu estavam apagadas, como as da entrada do palácio. Fomos até o portão e constatamos que estava sem a guarda habitual. Gritei várias vezes sem obter resposta: “Abram, é Simões Lopes que quer entrar”.

    Os gritos do chefe de gabinete foram respondidos com rajadas de metralhadora que atingiram as árvores da rua. Com ajuda do chefe de polícia, Filinto Muller, de Bejo Vargas, irmão de Getúlio e de Eurico Dutra além de homens armados, esperavam o momento de invadir o palácio quando assistiram a um “revolucionário, subir numa árvore e atirar na janela do quarto do presidente”. E ele conta:

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    “Finalmente, iniciou-se o ataque. Entramos na frente, Serafim e eu, com um contingente da Polícia Militar […] Seriam, talvez quatro horas da manhã e, no lusco-fusco, pouco se via. Os chefes integralistas tinham fugido, inclusive o capitão Fournier, que dirigia as operações, e em breve tempo os que não fugiram e estavam na casa da guarda foram dominados ou se entregaram. Os prisioneiros feitos na casa da guarda vinham em fila indiana, quando vi o capitão que entrara no palácio agredindo os prisioneiros que passavam. Corri para ele e protestei energicamente, quando, de repente, vejo-o em posição de sentido. Olhando para trás vi o presidente Vargas se aproximando com as mãos nos bolsos – provavelmente segurando seu revólver. O capitão disse ao presidente que não se aproximasse pois tratava-se de bandidos. O presidente, contudo, aproximou-se dos prisioneiros e perguntou, mais ou menos com essas palavras: “Por que vocês se meteram nisso, rapazes?”. Eles cercaram o presidente e juraram que não eram contra ele e que estavam ali enganados, e alguns, à força. Acredito que, afora alguns integralistas, a grande maioria parecia gente do mais baixo nível, sem nenhuma aparência de sectários e que lá estavam iludidos, levados pelos chefes integralistas que, covardemente, fugiram, lá deixando seus soldados

    Vargas ripostou sem clemência: muitos foram fuzilados ou presos. O mentor do movimento, o paulista, modernista e autor da Teoria do Estado Integral, Plínio Salgado foi exilado. O episódio finalizou as atuações da Ação Integralista e deixou ressentimentos. Ariosto de Almeida Rego contou em suas memórias que “dois dias antes da implantação do Estado Novo, estive com Plínio Salgado e a conversa que tive com ele me convenceu depois que aquele golpe foi nada mais nada menos do que uma traição, uma fuga ao compromisso assumido, mais uma das célebres rasteiras, frequentes e ignóbeis”.  Foi o que sobrou dos “galinhas verdes”: ressentimentos.

  • PRIORE, Mary del. “Histórias da Gente Brasileira: República Memórias (1889-1950)” – vol. 3, editora LeYa, 2017.
A saudação "anauê", adotada pelos integralistas brasileiros, de provável origem tupi, significando "você é meu irmão"

A saudação “anauê”, adotada pelos integralistas brasileiros, de origem tupi, significa “você é meu irmão”. Imagem: Wikipedia

 

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3 Comentários

  1. Joamingos da Silva Leal
    • Márcia
      • Joamingos da Silva Leal

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