O Carnaval de Jean-Baptiste Debret

Jean-Baptiste Debret descreve o carnaval nas cidades brasileiras – que era também conhecido como Entrudo – em “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil” (1834-1839). Vejamos as impressões do pintor:

“O carnaval no Rio e em todas as províncias do Brasil não lembra em geral nem os bailes nem os cordões barulhentos de mascarados que, na Europa, comparecem a pé ou de carro nas ruas mais frequentadas, nem às corridas de cavalos chucros tão comuns na Itália.

Os únicos preparativos do carnaval brasileiro consistem na fabricação dos limões-de-cheiro, atividade que ocupa toda a família do pequeno capitalista, da viúva pobre, da negra livre que se reúne a duas ou três amigas, e finalmente das negras das casas ricas que todas, com dois meses de antecedência e à força de economias, procuram constituir sua provisão de cera.

O limão-de-cheiro, único objeto dos divertimentos do carnaval, é um simulacro de laranja, frágil invólucro de cera de um quarto de linha de espessura e cuja transparência permite ver-se o volume de água que contém. A cor varia do branco ao vermelho e do amarelo ao verde; o tamanho é o de uma laranja comum; vende-se por um vintém e as menores a dez réis. A fabricação consiste simplesmente em pegar uma laranja verde de tamanho médio, cujo caule é substituído por um pedacinho de madeira de quatro a cinco polegadas que serve de cabo, e mergulhá-la na cera derretida.
Operada essa imersão, retira-se o fruto ligeiramente coberto de cera e mergulha-se nágua fria, a fim de que se revista de uma película de um quarto de linha de espessura, bastante resistente, entretanto. Parte-se em seguida esse molde, ainda elástico, a fim de retirar a laranja e, aproximando-se as partes cortadas, solda-se o molde de novo com cera quente, tendo-se o cuidado de deixar a abertura formada pelo pedaço de madeira para a introdução da água perfumada com que deve ser enchido o limão-de-cheiro.

O perfume de canela, que se exala de todas as casas do Rio de Janeiro durante os dois dias anteriores ao carnaval, revela a operação, fonte dos prazeres esperados.

Para o brasileiro, portanto, o carnaval se reduz aos três dias gordos, que se iniciam no domingo às cinco horas da manhã, entre as alegres manifestações dos negros já espalhados nas ruas a fim de providenciarem para o abastecimento em água e comestíveis de seus senhores, reunidos nos mercados ou em torno dos chafarizes e das vendas.

Vemo-los aí, cheios de alegria e de saúde, mas donos de pouco dinheiro, satisfazerem sua loucura inocente com a água gratuita e o polvilho barato que lhes custa cinco réis.

Nesses dias de alegria, os homens de cor mais turbulentos, embora sempre respeitosos para com os brancos, reúnem-se depois do jantar nas praias e nas praças, em torno dos chafarizes, a fim de se inundarem de água, mutuamente, ou de nela mergulharem uns aos outros por brincadeira; a vítima, ao sair do banho, pula e faz contorções grotescas, com as quais dissimulam às vezes o seu amor-próprio ferido.

Quanto às mulheres negras, somente se encontram velhas e pobres nas ruas, com o seu tabuleiro à cabeça, cheio de limões-de-cheiro vendidos em benefício dos fabricantes.

Mas os prazeres do carnaval não são menos vivos entre um terço pelo menos da população branca brasileira; quero referir-me à geração de meia-idade, ansiosa por abusar alegremente, nessas circunstâncias, de suas forças e sua habilidade, consumindo a enorme quantidade de limões-de-cheiro disponíveis.

Domingo ainda, mas depois do almoço, o vendeiro procura provocar o vizinho da frente, com incidentes insignificantes, a fim de atraí-lo à rua e jogar-lhe o primeiro limão ao rosto.

Alguns jovens franceses empregados no comércio, passeiam como se fossem sentinelas avançadas, armados de limões, e aproveitam a oportunidade para inundar uma senhora, também francesa, ocupada no fundo da loja semifechada.

Vêem-se também jovens negociantes ingleses, consagrando de bom grado 12 a 15 francos a um quarto de hora de brincadeira lícita, passear com orgulho e arrogância, acompanhados por um homem negro vendedor de limões, cujo tabuleiro esvaziam pouco a pouco, jogando os limões às ventas de pessoas que nem sequer conhecem.

Alguns gritos, entrecortados de gargalhadas, revelam ao locatário do primeiro andar, cujo cómodo de frente já foi esvaziado de seus móveis, por precaução, que chegou a hora de abrir as janelas, ou para evitar que se quebrem os vidros ou para se preparar ele próprio para a batalha de limões.

Alguns curiosos assomam aos balcões e logo desaparecem e a manhã toda decorre entre escaramuças. Depois da refeição, entretanto, sentindo-se todos dispostos ao combate, correm às janelas e alegremente solicitam, de longe, e com gestos, licença para começar; ao mais ligeiro assentimento alguns limões trocados com habilidade e pontaria dão o sinal do ataque geral; e, durante mais de três horas, vê-se grande quantidade desses projéteis hidróferos cruzando-se de todos os lados nas ruas da cidade e estourando contra um rosto, um olho ou um colo.

A ducha decorrente, de mais ou menos um copo de água aromática, suporta-se agradavelmente em vista do calor extremo da estação.

É natural que, após semelhante combate, toda a sociedade de um balcão, molhada como ao sair de um banho, se retire para mudar de roupa; mas logo volta com o mesmo entusiasmo. E uma moça sempre se orgulha do grande número de vestidos que lhe molharam nesses dias gloriosos para seus dotes de habilidade”.

 

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“Cena de Carnaval”, Debret.

 

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