O Baile da Ilha Fiscal: o melancólico fim de uma época

No dia 9 de novembro de 1889, foi realizado o famoso Baile da Ilha Fiscal, em homenagem aos oficiais do navio chileno Almirante Cochrane. Enquanto o golpe republicano era tramado, a elite se divertia na última festa do Brasil imperial. Em poucos dias viria a República. Pompa, fartura de comida e bebida, ostentação e uma grande animação fizeram parte do evento, bastante criticado pela imprensa da época. Uma grande ironia que o baile tenha se tornado o símbolo do fim do Império, já que D. Pedro II era avesso a este tipo comemoração.

A ilha Fiscal era um recanto adorável na baía de Guanabara, em frente ao mosteiro de São Bento. Ali, num castelinho medieval, cujo torreão embutia um raro relógio de quatro faces, o Visconde de Ouro Preto ofereceu um banquete para duas mil pessoas. Corria que a escolha do lugar não foi gratuita. Em São Cristóvão, no caso de uma rebelião, a família imperial se tornaria presa fácil. Em Petrópolis, bastava cortar as pontes para isolá-la.  “A Ilha Fiscal foi transformada em ilha de fadas, uma maravilha, um paraíso perdido em pleno oceano […] Ao baile! Ao baile! É hoje a senha da cidade”, anunciava Novidades.

Duas fatídicas coincidências marcaram o trajeto do Imperador, naquela data. No caminho, sua carruagem parou, pois “a coroa caiu”. Qual coroa, perguntou ao cocheiro? Resposta: a de pedras de uma das torres do prédio da Câmara dos Vereadores. Na entrada da festa, D. Pedro tropeçou e foi seguro por um jornalista. Reagiu com humor: “A monarquia escorregou, mas não caiu”.

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A família imperial instalou-se numa sala separada por cortinas do grande pavilhão para os convidados. Lâmpadas, novidade absoluta, iluminavam o ambiente com a força de 1920 velas! Festões de flores, bandas de música, espelhos, âncoras de ouro e prata, folhagens em todas as dependências: a decoração. Um “sonho veneziano” definiu Machado de Assis. Na obra recém-finalizada, alguns vitrais traziam a imagem de Isabel como imperatriz do Terceiro Reinado. Mau gosto: afinal, D. Pedro estava vivo. “Suas Majestades e Altezas foram saudadas calorosamente. Uma verdadeira ovação. Pouco depois começou o baile”, contou a Tribuna Liberal. Saíram à uma da manhã, antes da “ceia monstro” e dos discursos.

“Viu-se que não houve pena, nem escrúpulo de gastar dinheiro do estado”, alfinetava o Correio do Povo. “O mau exemplo partiu do próprio presidente do conselho, que em nome do governo oferecia aquele baile”. Ouro Preto “não conservou a postura correta de um homem de estado […] percorria os salões com passo apressado e desmedido como quem andasse corrido da justiça”. Sua “estudada arrogância” e os gestos “desordenados e petulantes” incomodavam.

O ruge-ruge das sedas, a pelúcia dos veludos, as pedras preciosas, o dourado das fardas, os penachos ondulantes dos capacetes da Guarda Nacional: “a dançar, Santo Deus, a dançar!”. Uns bailavam de capacete e espada a cinta. Outras deixaram nos “toilettes”, espartilhos, ligas e meias, pois as danças estiveram animadíssimas, prolongando-se até o amanhecer. Nas entrelinhas de dezenas de jornais, voavam farpas:

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Para a Revista Semanal, “a rainha do baile foi Sua Alteza a Princesa Imperial. Aquela seda preta de reflexos cambiantes do vestuário, opulentada pelas formas régias da ilustre princesa, coroava-se artisticamente com o magnífico cabelo engastado de brilhantes fascinadores”. Já o Correio do Povo ridicularizava as “latas de goiabada”, ou seja, as medalhas da Guarda Nacional. Guarda que estaria sendo preparada pelas instituições monárquicas para enfraquecer ou dissolver o Exército. E em tom ameaçador: “Quando chegar o momento da ação, travando-se a luta, a debandada não será deste mundo”.

Muitos dos convidados, lado a lado com a família imperial na festa, esperavam pelo tal “momento da ação”. O Vice-Almirante Wandenkolk, oficial general da Armada foi um deles. Quando Ouro Preto levantou um brinde e soaram vivas e hinos, ele teria dito em tom zombeteiro, ouvido pelos circunstantes: “quem ri por último ri melhor”.  Consta que dezenas de comentários sarcásticos ombreavam com as notas musicais.

Depois do baile da ilha Fiscal, um relógio invisível bateu as horas. Os últimos acordes da festa marcaram alegremente o enterro de um mundo do qual muitos não queriam mais ouvir falar. Os ponteiros da história empurraram o fim do império brasileiro. E anunciaram o início do que se acreditou, fosse o “progresso”.

Márcia Pinna Raspanti/Mary del Priore.

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Imagens: “Os Banquetes do Imperador”, de Francisco Lellis e André Boccato. 

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2 Comentários

  1. Andrew Amaral

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