O ASSASSINATO DE JOÃO PESSOA E A POLÍTICA BRASILEIRA

O texto a seguir foi extraído do livro “História do Crime no Brasil”, que será lançado em 2015. A obra, organizada pelos historiadores Mary del Priore e Gian Carlo, contará com a participação de diferentes autores. Confira um trecho do artigo de Giselda Brito Silva, sobre o assassinato de João Pessoa e suas repercussões da política brasileira.

Em Pernambuco, a morte de João Pessoa transformou-se na maior comoção. Os jornais começaram a relatar o “sofrimento do povo”. As pessoas eram apresentadas pela quantidade de “lagrimas e flores” que devotavam a João Pessoa. Contava-se as orações, os que se ajoelhavam quando o corpo passava defronte a Igreja de Santo Antônio. (Diário de Pernambuco, 27/07/1930). Este jornal, o principal, mas, não o único a investir na imagem de mártir de João Pessoa, conta que “milhares e milhares de pessoas comovidas, homens e senhoras de todas as classes sociais e de todas as idades, em prece de joelhos. Seu corpo estava nos braços do povo. Em comboio fúnebre que o levou depois a Parayba, o seu grande filho. Ouvia-se o soluço do mar humano, cantando estrofes do hino nacional, estrofes de saudades e de dor; em surdo protesto do corpo inanimado. E a Justiça? A cidade, na interpretação do Diário, está abalada, sob intenso pesar, chorava a morte do estimado e ilustre chefe de Estado da Paraíba”. E não se perdia a chance de sempre alertar em meio às interpretações do fato, entre o povo: “há demonstrações de magoa sem distinção de classe”. Pareciam esquecer que dias antes, havia muitos inimigos de João Pessoa circulando nos jornais contra suas medidas e reações na Paraíba, principalmente sobre os fatos em torno de Princesa.

As autoridades de Pernambuco procuravam expressar sua comoção diante dos alardes do povo, prometiam justiça e que levariam o criminoso João Duarte Dantas, Bacharel em Direito, que depois de ouvido foi preso no Estado-Maior da Força policial, e levado para o quartel do Derby a fim de ser julgado e detido. O Chauffer foi logo enviado para a Casa de Detenção, recebendo voz de prisão. Em toda cidade do Recife se espalhou a Cavalaria para manter a ordem do povo que estava agitado com o crime contra o governador da Paraíba. Diziam os jornais que a cidade estava em vivo pesar e grande indignação, o comércio foi fechado, também os cinemas deixaram de funcionar. O Recife ficou em luto. Presidente João Pessoa “eminente estadista brasileiro” a repercussão do doloroso acontecimento em todo o Brasil. As autoridades locais foram obrigadas a se posicionar imediatamente. A família de João Pessoa, contudo, não esqueceram as oposições que corriam no estado de Pernambuco em torno dos fatos da Revolta de Princesa e da sua política e rejeitaram as homenagens que o governo de Pernambuco queria fazer à sua memória. Em notas enviadas e publicadas nos jornais, recusaram a bandeira de Pernambuco para cobrir seu corpo, preferindo aceitar a bandeira da Associação de Atletismo.

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Com o crescimento das reações, outros jornais passaram a noticiar ao lado do Diário de Pernambuco a triste notícia do crime e da violência que teria vitimado o governador da Paraíba, entre eles se destacam: o Diário da Manhã, da Tarde, o Diário do Recife, o Partido Democrático de Moreno, jornal dos estudantes das Faculdades de Direito, de Medicina e de Engenharia e de Professores e alunos da Escola de Cotonifício de Moreno. Contavam que o povo pegou seu corpo coberto de flores do necrotério e levou em mãos, não deixando que o coche fúnebre fazer seu trabalho. Lágrimas, crises de nervos, viam-se a todo caminho por onde o corpo passava. Flores, muitas flores, eram atiradas e foi assim até a estação central. Ao saber que a família reclamava o corpo na capital Carioca, o povo o tomou nos braços e o carregou até a Rua do Imperador, em frente ao Jornal do Recife. Ao lado, falavam os acadêmicos e o Professor Joaquim Pimenta, exaltando a memória de João pessoa.  Depois voltaram a matriz de Santo Antonio, onde o corpo foi exposto a visita pública. Sargentos, soldados, populares, acadêmicos, todos tomando para si a responsabilidade de organizar o serviço da visita ao corpo de João Pessoa. Assim, o corpo foi visitado por milhares de pessoas. Continua o noticiário dizendo que: “à noite o movimento ficou mais intenso. O único parente do morto era o comerciante, o sr. Antonio Espinola Pessôa, seu primo. Às 3h da madrugada, a comissão paraibana recebeu ordens de embarcar imediatamente o corpo, com o consentimento da família no Rio de Janeiro”.

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Narrando mais detalhes, o Diário de Pernambuco informa que, na saída da matriz de Santo Antônio, o coche fúnebre foi recusado de novo e o corpo seguiu a pé pelas ruas, Nova, Concordia, atravessou a Casa de Detenção e chegou a Estação Central. Populares se aproximaram do caixão, reclamando para tocar nas alças do caixão, nos braços do povo do Recife, o Presidente João Pessoa atravessou as ruas, sob o hino nacional. No trem especial seu corpo seguiu com uma comissão de Pernambuco acompanhada da comissão da Parayba e repórteres do Jornal da Manhã, da Tarde, do Recife e Diário de Notícias, mais acadêmicos da Faculdade de Direito. O corpo seguiu, mas, deixou em Pernambuco grupos políticos, membros da Câmara dos Deputados, Senado Estadual, representantes de todas as partes emitindo notas de pesares através dos jornais.

As notícias do Diário de Pernambuco eram publicadas dando-se a entender que João Pessoa encarnava a força do povo brasileiro, mas, conforme também se interpretava nos próprios jornais, o crime “não bastou para quebrar a alma de bronze do grande morto e a fibra de sua resistência. “A parahyba e o seu presidente continuavam a não reconhecer como ‘patriota’ e ‘libertador’ o cangaço ‘federal’ armado em seu território. Sr.Washington Luis, cuja responsabilidade lhe pesa inteira sobre os hombros, e lhe ficará atravez da historia, como uma das tristes máculas de seu governo. Porque, aos olhos do paiz inteiro, a aldacia do crime de hontem decorre, logicamente, do notorio após a política federal ao levante de princesa”.

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Conforme o corpo de João Pessoa ia passando, levantava revoltas contra as práticas políticas do país e as razões que teriam levado João Dantas a praticar o crime vão desaparecendo das notícias. Em seu lugar começa a aparecer um “verdadeiro assassino”, o governo federal, apontado como o grande responsável, como se pode perceber neste trecho: “Morre assim João Pessôa com o ultimo abencerragem da dignidade cívica na actualidade do seu paiz. Morre em defesa do principio da autoridade da ordem, do socêgo e do trabalho pacifico do seu pequeno Estado, contra as hordas sinistradas que o devastam a serviço do ódio e da ambição. A Parahyba não ha de esquece-lo; jamais a esquecerá o Brasil. E Deus ilumine enfim, a legalidade desvairada que tão injusta e prematuramente o arrastou ao tumulo, e que sabe nesse caminho, aonde levará o Brasil”.

Finalmente, seu corpo serviu mais morto do que vivo, como dizem alguns dos especialistas no assunto. Se a Aliança Liberal e as chapas de oposição ao governo central tinham perdido as esperanças com os resultados das últimas eleições, a morte de João Pessoa serviu para reacender as esperanças de uma mudanças de rumos na política e uma virada em favor dos aliancistas, ainda que esta não fossem as intenções de João Pessoa.

Morto, ele se torna um personagem político perfeito, para conduzir a vontade da população que clamava por novos mártires que pudessem encaminhar suas esperanças de mudanças na realidade política do país. E, o Diário de Pernambuco, soube mais do que outros jornais canalizar imediatamente a notícia do assassinato de João Pessoa para a construção de um mito político que moveria vontades e canalizaria reações.

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João Pessoa: sua morte impactou os rumos da política.

 

5 Comentários

  1. Sara
    • joão durate dantas
      • apolo
      • eric moreira

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