Novos tempos…

Na passagem de um ano ao outro, uma única certeza: a de que o tempo não nos pertence. Que da mesma forma como as galáxias estão fora de nosso alcance ou que o universo se expande ou encolhe sem que nada tenhamos a dizer, do mesmo jeito, imperturbável, o tempo se enrola e desenrola sobre si mesmo. O tempo não tem dono. Imortal, ele não para – cantava Cazuza. Enquanto isso, nos queixamos da brevidade da vida, consumidos pela angústia de conhecer a ordem da natureza. Hoje somos flor, amanhã, semente. Na passagem do ano, fazemos balanços. Nos perguntamos, como no livro do Eclesiastes, se é tempo de plantar ou de colher, de nascer ou morrer, de abraçar ou de esquecer o abraço. Tomamos decisões. Prometemos considerar o presente e o futuro sob uma ótica de responsabilidade. Queremos abrir os braços e os ouvidos aos nossos semelhantes, cuidar e querer bem a quem nos cerca. Repensamos a nossa indiferença, os pequenos egoísmos, as mentiras. Desejamos dizer não às injustiças e sim, a uma vida melhor e ao maior número de familiares e amigos. Nos perdoamos das faltas cometidas e nos desculpamos dos erros grosseiros. E todos, sem exceção, desejamos sinceramente nos tornar melhores do que somos. Afinal, é preciso recomeçar, com o pé direito, ou entrar com ele na água, que é, desde a noite dos tempos, o símbolo do tempo que corre; o rio da vida. Aquele que os gregos antigos identificavam  com o divino Oceanus, uma corrente que circundava a terra, uma cobra que mordia a própria cauda. Já na tradição judaico-cristã, o tempo é uma coisa linear, sujeita à intervenção de Deus e de sua Providência, caminho capaz de levar a humanidade ao paraíso, degrau por degrau. Entre os orientais, o tempo pertence ao principio masculino: o Yang, uma das forças secretas que governa o cosmos, responsável pela criação.  Não importa a interpretação. Viramos o calendário, suportando a passagem da vida com nossos milhares de projetos, alguns realizados, outros não. Apesar do bom astral da data, muitos de nós sentimos medo: passou tão rápido! O que fiz neste ano? E o que não fiz? Mas sabemos também, que a única forma de esquecer a rápida e inexorável passagem do tempo é o amor. Foi apenas por amor, dizem os Pais da Igreja, que Deus deixou sua solidão inicial para criar um ser dotado de livre arbítrio. Foi graças a um beijo generoso que deixamos a animalidade. Foi graças ao sopro divino  que a humanidade se fez noiva do Céu. No amor, mesmo adultos nos tornamos crianças. Invertemos assim a marcha dos ponteiros do relógio. Buscamos no outro, o que julgávamos perdido ou deixado para trás. Temos a sensação de cada encontro, é um reencontro. Acreditamos como Aristófanes, no mito do Andrógino. Cremos nas metades partidas que se complementam, na junção das partes separadas, na expressão do amor na continuidade, enfim, cremos no infinito do tempo. Crença que nos libera e salva, dando-nos a oportunidade de começar todo o ano, a cada dia. – Mary del Priore
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2 Comentários

  1. luciene paes

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