Novo currículo, velhos problemas?

Reflexões sobre a Base Nacional Comum Curricular.

Grandes historiadores, como Ronaldo Vainfas, têm se manifestado contra o “corta e cola” nos currículos dos ensinos fundamental e médio  que ganhou, como todas as ruidosas etiquetas desse governo, a de “Base Nacional Comum Curricular”. Literalmente deletados: a História Antiga, Medieval, o Renascimento. Em alta, os mundos ameríndio, africanos e afro-brasileiros.

Originalidade na mudança? Nenhuma. A França, esta sim. uma “pátria educadora”, da qual o mérito e a Escola Pública são estruturas fundamentais, também tem discutido novos currículos. Elaborados durante décadas por historiadores do porte de Fernand Braudel, Pierre Goubert e Jacques Le Goff, tais programas buscaram soluções para integrar novos temas. Para atualizar-se.

Como são feitos? De forma bem diferente da nossa. O Ministério da Educação reúne um grupo de trabalho com representantes da Academia, inspetores de ensino, pedagogos e professores do ensino médio. Uma vez o projeto elaborado, ele é apresentado a professores do ensino superior, associações de especialistas, sindicatos e ainda submetido a uma consulta geral aos professores do Ensino Médio.

Lá também o novo programa olha em novas direções: o Egito dos faraós caiu em benefício da Índia e da China. E no lugar da Guerra de Cem Anos e de Joana d´Arc, o nascimento do Islã como religião e como civilização. Outro novo tema, as civilizações africanas da Idade Média ao século XVI. A evocação da África pré-colonial abre horizontes e valoriza os alunos egressos das antigas colônias. E não falta quem grite em favor de mais aulas sobre a Shoa, a libertação da Córsega, a colonização positiva ou negativa, o colaboracionismo, enfim… “Deus e sua história”, como dizia meu querido colega na USP, Antonio Penalvez.

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A verdade é que aqui, não houve nada disso. E é sempre bom esclarecer, Renato Janine Ribeiro, então ministro da Educação, jamais aprovou ou assinou tal documento!

O maior problema desta carta de intenções não é a diversidade de temas, os novos campos e abordagens historiográficas. Toda a abertura é positiva. O problema é QUEM vai ensiná-los. Quantos africanólogos do porte de Alberto da Costa e Silva temos no Brasil? Os estudos universitários sobre a África são extremamente recentes, e lembro-me que, quando, com Renato Venâncio escrevi “Ancestrais – uma história da África Atlântica” tive que me valer quase que exclusivamente de bibliotecas estrangeiras. Onde a bibliografia acessível sobre maias, incas e, por que não, os povos da Ilha de Páscoa? Falamos, por acaso, espanhol para ler os autores latino-americanos especialistas de tais culturas? E na história dos afro-descendentes, vão se lembrar da “ascensão dos mulatos”, de sua mobilidade social tema tão visível nos séculos XVIII e XIX, ou vão continuar insistindo na dobradinha senhores carrascos e escravos vítimas?

O problema, insisto, não é O QUÊ. Mas POR QUEM e COMO é dada a nossa história: com desamor crescente. Com desconhecimento crescente. Com desinteresse agudo por parte de quem leciona e, infelizmente, de quem aprende! Uma tristeza. E nunca é demais lembrar, o panfletarismo barato encontra um terreno fértil entre os professores que não querem nem ensinar, nem se aperfeiçoar. A esses eu imploro: escolham outra profissão.

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Texto de Mary Del Priore.

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8 Comentários

  1. Rodrigo Horta de Sousa
  2. Raimundo Alves de Araújo
    • Alexandre Santos
  3. Samuel Albuquerque
  4. Pablo Iglesias Magalhães
  5. Alexandre Santos
  6. Maria da Penha D B de Morais

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