O que causou o fim do Império?

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A historiadora Mary del Priore, autora de O Castelo de Papel, sobre Isabel e seu marido, Gastão de Orléans, o Conde d’Eu, afirma que a erudição não deixou marcas na princesa Isabel. “Horas de aulas particulares massivas não significam a justa apreensão da matéria”, diz Mary. “Que o diga a cartinha enviada ao pai quando chegou ao Recife: ‘O que mesmo haviam feito por lá os holandeses?’ Ela não se lembrava mais.” A historiadora vai além: “Suas leituras eram censuradas pelo pai e pelo marido e seus melhores conhecimentos eram focados na vida doméstica”.

O casamento de Isabel, tal como o do pai, foi um grande arranjo. Gastão de Orléans, filho do Duque de Namours, chamava a futura esposa em correspondência com o pai de Negócio nº 1 (o Negócio nº 2, claro, era a princesa Leopoldina, que se casaria com seu primo). Tal como Pedro, Gastão não gostou da prometida. Em carta à irmã, descreveu a noiva em tom pouco lisonjeiro: “Para que não te surpreendas ao conhecer minha Isabel, aviso-te que ela nada tem de bonito; tem sobretudo uma característica que me chamou a atenção. É que lhe faltam completamente as sobrancelhas. Mas o conjunto de seu porte e de sua pessoa é gracioso”.

Mesmo assim, toda a correspondência e a pesquisa historiográfica posterior mostra que o casal era apaixonado e fiel. Havia apenas um problema – e gravíssimo. Isabel não engravidava. A primeira gestação da princesa ocorreu quase dez anos depois do casamento, e no lugar errado. O casal estava na Europa. O contrato pré-nupcial obrigava que o herdeiro do trono nascesse no Brasil. Atravessaram o Atlântico e no dia 25 de julho de 1874 Isabel teve as primeiras contrações. “Mãe e filho passaram 50 horas em dores e sofrimento”, relata Mary del Priore. A criança, uma menina, morreu no útero. Para retirá-la – e salvar a vida da princesa – os ossos da feto, inclusive os do crânio, foram quebrados. O episódio dá início a um triste distanciamento entre Isabel e o pai, a quem ela culpou pela viagem de volta ao Brasil. Isabel e o marido mudaram-se para Petrópolis. A perda do bebê radicalizou a carolice da princesa, que se ligou cada vez mais à família e à religião. O casal teve mais três filhos.

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O imperador não gostava do genro, considerado liberal demais. Na Guerra do Paraguai, Gastão se ocupou de perseguir Solano Lopes depois que o futuro Duque de Caxias tomou Assunção. Uma de suas primeiras providências foi abolir a escravidão no país vizinho. A imprensa, a quem dom Pedro II permitia uma liberdade raramente vista no país, via em Gastão um estrangeiro que tinha os olhos grandes no império brasileiro e manipulava a mulher. Além disso, o culpava de ganhar dinheiro explorando pobres nos cortiços no centro do Rio de Janeiro, que alugava.

Falta de apoio

Nas narrativas tradicionais sobre o Segundo Reinado, cabe a Isabel papel preponderante. Ela era “A Redentora”, responsável pelo grande gesto do fim do século 19, a abolição da escravidão. A Lei Áurea, aliás, é um requinte de minimalismo com seus dois artigos curtos: abole-se a escravidão e revogam-se as disposições em contrário. Na prática, não foi bem assim. Em 13 de maio de 1888, Isabel perdeu o apoio do último grupo que sustentava a monarquia, os fazendeiros, ainda que, como um canto do cisne, seu gesto tenha levado a monarquia à sua fase mais popular no Brasil. “Vossa alteza redimiu uma raça mas perdeu seu trono”, anteviu o Barão de Cotegipe, um dos últimos chefes de governo do império. A propósito, é de Cotegipe uma das boas frases sobre os estertores da monarquia brasileira: “Não precisamos ir para a República; ela vem para nós”.

Na prática, Isabel estava isolada. Os jornais a tratavam por carola. O fato de Gastão de Orléans ser francês ajudava os propagandistas do temor de que o Brasil poderia ser governado por um estrangeiro – e a princesa submissa ao marido ajudava na avaliação. Gastão, em sua correspondência com o pai, atestava essa visão: “Ela estava habituada a nunca ter vontade”, escreveu. “O campo estava livre para exercer todas as audácias de seu caráter.” O próprio dom Pedro II não via na filha a melhor pessoa para assumir o papel de imperatriz. Deixava-a à margem das decisões da política. “A impressão que se tem, ao estudar a história do Segundo Reinado, é que dom Pedro nunca acreditou de fato que a filha pudesse assumir o trono”, afirma Laurentino Gomes. Quando o imperador se mostrou preocupado com o futuro da monarquia brasileira e perguntou ao seu ministro José Antonio Saraiva o que seria o reino de Isabel, ouviu como resposta: “O reinado de vossa filha não é deste mundo”. Uma óbvia indicação de que a carolice da sucessora não encontrava eco no Brasil do fim do século 19.

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De acordo com Mary del Priore, não há nada que indique que dom Pedro tenha intencionalmente alijado Isabel do poder. “Mas não há dúvidas, comprovadas pela correspondência do Conde d’Eu com a França, que ele nunca incentivou o casal a ter envolvimento político maior, quer participando das reuniões ou das entrevistas com o ministério, quer circulando pela cidade para angariar simpatias.” Ao contrário, diz Mary, dom Pedro não se importou quando o casal se afastou da corte para morar em Petrópolis. “Onde cultivaram poucas amizades e contatos, que lhes faltaram no momento do golpe.” Em defesa do imperador, diga-se que Isabel tinha ojeriza à política.

Em carta ao pai, como regente em uma das viagens de dom Pedro ao exterior, Isabel contou como organizara a agenda: “Já marcamos as audiências para as quintas-feiras seguida de despacho; as recepções para as segundas e o corpo diplomático para as primeiras terças dos meses”, registrou. “Por ora, eis meus únicos atos oficiais. Quem me dera não ter nenhum a fazer!!!” Durante suas viagens pelo país, as anotações em seu diário têm pouco espaço para discussões políticas, mas brotam comentários sobre jardins, concertos e jantares.

Contra o Terceiro Reinado nas mãos de Isabel também pesava uma questão pessoal. Desde a regência que substituiu dom Pedro I, havia alternância de poder, ainda que as eleições fossem viciadas. Mas nenhuma mulher podia votar no século 19. Mesmo que Portugal, de onde o Brasil herdou o ordenamento legal da monarquia, permitisse que mulheres assumissem a coroa, uma presença feminina no trono incomodava. “No Brasil, conservador e patriarcal, dom Pedro sabia que o exercício político de Isabel era tarefa difícil”, afirma Laurentino Gomes. “Uma mulher no trono seria um desafio enorme. O imperador manteve a princesa próxima do trono apenas dentro dos limites do protocolo.”

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Dom Pedro tinha clareza de que emplacar a filha como sucessora era uma tarefa complicada. E a história mostra que ele não se empenhou muito em mudar esse destino. “Nunca pareceu interessado em preparar um terceiro reinado, para a filha ou para dom Pedro Augusto (veja quadro na página 35), o filho mais velho de Leopoldina”, anota José Murilo de Carvalho na biografia do imperador. “Educou Isabel como tinha sido educado, mas não lhe entregou o governo nem mesmo quando já não tinha condições de governar.” Para a historiadora Mary del Priore, o empenho de dom Pedro na sucessão simplesmente não existiu. “Sem agenda definida para o império, acho difícil imaginar que, tal como outros imperantes, dom Pedro tivesse interesse em organizar a transição. Em coroas europeias, essa era uma preocupação permanente”, afirma Mary. “Mas não consegui identificar, na relação de dom Pedro com o casal D’Eu, nenhum impulso de ajuda ou incentivo nesse sentido.”

Leia o artigo completo na revista “Aventuras na História”:

Por que a monarquia caiu?

 

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D. Pedro II e Isabel (revista Aventuras na História).

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