Mulheres na política: candidatas disputam a presidência

Três candidatas disputam a presidência da República, duas delas com chances concretas de eleger-se, de acordo com as pesquisas de intenção de voto. Isto significa que temos mais mulheres concorrendo por projetos de poder. A 4ª Conferência Mundial sobre as mulheres, realizada em Pequim, em 1995, cunhou o termo de l’empowerment (apropriação do poder ou emponderamento) pelas mulheres. Hoje, em plena democracia, não há mais obstáculos para a representação feminina no Congresso, e as brasileiras estão devidamente “emponderadas”.

Pode-se dizer que se alguém conquistou plena igualdade política, fomos nós. Nossas políticas fazem campanhas e são eleitas, sem as perseguições movidas no passado como, por exemplo, a que atingiu Bertha Lutz acusada de fraude eleitoral. E a igualdade com os políticos é absoluta: elas têm isonomia no horário político eleitoral e não encontram barreiras para o financiamento de suas campanhas. Mas o que nos traz a mídia são informações sobre outra forma de igualdade: nossas eleitas roubam, esbulham e mentem como seus pares do sexo masculino. Elas parecem ter se esquecido da agenda arduamente amadurecida durante o movimento de redemocratização do país.

Apesar das conquistas na vida política, continuamos sem ações eficientes que atendam direta e majoritariamente os problemas femininos como gravidez na adolescência, aumento de creches e de programas para a Terceira Idade, educação para a inserção profissional da mulher ou aborto, que só entrou na pauta nas últimas eleições, de forma oportunista, no final dos debates. Marina Silva (PSB) não assumiu nenhuma posição polêmica em relação ao tema. Quanto à presidente Dilma (PT), não possui um projeto  político em que valores femininos estejam em alta. E temos ainda Luciana Genro do PSOL.

Apesar do avanço em várias áreas, a euforia da liberação sexual e da independência econômica, as mulheres têm que se defrontar com o paternalismo dos partidos políticos que lhes confiam tarefas e papéis tradicionais: elas apenas “vestem a camisa” que lhes é oferecida e exercem cargos, em sua maioria, na área social. Outras, desejosas de se assumir plenamente, procuram formas diferenciadas de ação, via ONGs ou Terceiro Setor. Outras ainda, esmagadas pelos encargos da vida pessoal, familiar ou profissional, preferem fugir da vida política. E há feministas que consideram que “a vida privada também é política”, não havendo necessidade de exercê-la fora. As opções são muitas. O problema é que a maioria das brasileiras interiorizaram normas patriarcais e quando têm oportunidade de mudá-las, fazem ao contrário, mais contribuindo para consolidar as relações verticais de influência, autoridade e poder.

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A luta por representação política vem de longa data. Uma das pioneiras foi Nísia Floresta que, em 1832, publicou Direitos das Mulheres e Injustiças dos Homens, opúsculo em que enfrentava os preconceitos da sociedade patriarcal, exigindo igualdade e educação para todas. Na mesma época, no extremo oposto do Império, Ana de Barandas erguia bandeiras contra a Revolução Farroupilha. Enquanto isso, na sede da Corte, o Rio de Janeiro, a poetisa Narcisa Amália, primeira mulher a se profissionalizar como jornalista, lutava em favor das idéias democráticas e progressistas. A segunda metade do século XIX assistiu também a participação de muitas na luta pela Abolição. Adelina, a charuteira, escrava do próprio pai, participou de inúmeros comícios abolicionistas em São Luís do Maranhão. Na Bahia, Amélia Rodrigues, em artigos em O Monitor, protestava contra o envio de cativos para a Guerra do Paraguai.  Em Pernambuco, Ignês Pessoa descrevia, em poemas, as lágrimas dos afro-descendentes, enquanto Maria Amélia de Queiróz redigia incontáveis artigos pelo fim da “criminosa instituição”, em favor da república e da participação das mulheres nas “lutas dos homens”. Depois do golpe republicano, a vida urbana se acelerou e as indústrias se multiplicaram. Imigrantes trabalhavam mais de doze horas diante de máquinas, nas piores condições de salubridade. O melhor porta voz de suas dificuldades foi Patrícia Galvão, mais conhecida pelo pseudônimo Pagu. Seu romance Parque Industrial, publicado em 1922, provocou escândalo pela revelação das atrozes condições de vida dos operários. O Partido Republicano Feminino abriu suas portas a 23 de dezembro de 1910. Na presidência, a feminista baiana Leolinda Daltro. Os objetivos eram promover a cooperação feminina para o progresso do país, combater a exploração relativa ao sexo e o mais importante: o direito ao voto.  Depois, foi a vez da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, sob a liderança da bióloga Bertha Lutz. Só em fevereiro de 1932, Getúlio Vargas assinou o tão esperado direito de voto. Bertha tentou ocupar cargos em vários pleitos, elegendo-se deputada federal em 1936.

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No final dos anos 40, outra organização nascia: a Federação das Mulheres do Brasil, guarda-chuva para mulheres de várias tendências de esquerda com forte influência do Partido Comunista Brasileiro. Durante o governo militar uma importante educadora se tornou a primeira ministra de Estado: Ester de Figueiredo Ferraz.  Não foi a única a apoiar o regime. Em plena Guerra Fria, um movimento político mobilizou milhares de mulheres em várias cidades brasileiras: a Campanha da Mulher pela Democracia ou CAMDE. Sob o lema “Deus é a verdade. Democracia e Liberdade” e a presidência de Amélia Molina Bastos, a organização patrocinou intensa campanha nas ruas por meio de “marchas” contra o comunismo. Do outro lado do espectro político, inúmeras mulheres ingressaram na clandestinidade, lutando contra o regime instalado: Elza Monnerat, Clara Sharf, entre outras, algumas das quais morreram em combate contra a repressão.

A década de 70, foi marcada pela participação feminina nas mais diversas discussões. No Rio de Janeiro, Branca Moreira Alves, Mariza Heilborn, entre outras fundaram o Centro da Mulher Brasileira. Em São Paulo, Albertina Duarte criou com colegas o Centro de Desenvolvimento da Mulher Brasileira. No Sindicato dos Jornalistas, agitavam-se os Encontros de Mulheres de São Paulo. Clubes de Mães, Associações de Donas de Casa e movimentos populares da periferia azeitavam as lutas por melhores condições de vida. Nas universidades, Walnice Galvão e Betty Mindlin pensavam e pesquisavam a condição feminina, enquanto a partir de 1975, Terezinha Zerbini levantava a bandeira do Movimento Feminino pela Anistia. Nas fábricas, as trabalhadoras lutavam junto aos sindicatos contra o “machismo” dos dirigentes sindicalistas e por justiça e cidadania. Delegadas se reuniram no Pacto de Unidade Intersindical de São Paulo, num evento da maior importância enquanto os congressos de mulheres metalúrgicas assim como sua participação nas greves do ABC se multiplicavam. E as trabalhadoras rurais começam a se unir e a participar das lutas sindicais e do Movimento dos Sem-Terra. O centenário da Abolição marcou por sua vez a discussão de temas como racismo, educação, trabalho e saúde entre mulheres negras. Da mesma época, data a criação de grupos como o SOMOS, voz de mulheres com diferente orientação sexual, que lutavam contra o preconceito e a violência.

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Os anos 80 foram muito importantes, pela criação de políticas específicas para mulheres. Com a redemocratização, o então presidente José Sarney enviou ao Congresso o projeto de lei criando o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. O papel do CNDM foi fundamental durante a Constituinte de 1988, representando seus interesses. Criou-se um lobby nacional, o “lobby do batom” como ficou conhecida a atuação da bancada feminina no Congresso Nacional, destacando-se aí Heloneida Studart. A perfeita sintonia com os movimentos populares permitiu a aprovação de mais de 80% das reivindicações encaminhadas aos congressistas na área dos Direitos da Mulher.- Mary del Priore.

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Bertha Lutz: acusada de fraude eleitoral; Marina: disputando a presidência.

 

2 Comentários

  1. Allannessa Vieira

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