Mulheres na Idade Média: a princesa santa

            As mulheres viviam enclausuradas, trancadas em casa ou presas em castelos nos tempos medievais? Sim e não. É certo que os costumes, as leis e a religião não eram favoráveis às “filhas de Eva”, vistas na época como seres fracos, volúveis e dados à luxúria mas, muitas quebraram essas regras e se destacaram. E devemos ter cuidado sempre com as generalizações, há inúmeras diferenças regionais, sociais, culturais e temporais, portanto, devemos abandonar a ideia monolítica da “mulher medieval”.

           Jacques Le Goff lembra que o poder estava nas mãos dos homens, porém algumas mulheres, em especial na nobreza, puderam desempenhar papéis de destaque na sociedade da época. “Se a Idade Média não elevou o estatuto das mulheres em relação à Antiguidade, é porque o cristianismo, mesmo lhes concedendo um lugar importante, lhes fez sofrer as consequências de dois elementos: um é a responsabilidade de Eva no acontecimento do pecado original; o segundo é o fato de que as mulheres não foram promovidas, no clericato, à função sacerdotal”.

           Le Goff diz que, apesar disso, algumas mulheres puderam desfrutar de um grande prestígio no período medieval, sendo elevadas a um outro estado, superior ao da maioria das pessoas: a santidade. O grande desenvolvimento do culto à Virgem Maria, a partir do século XII, foi um aspecto que mostra, segundo o autor, a promoção da mulher na sociedade medieval. Em termos de valores, lembremos também da literatura cortês, em que a dama tem no homem um tipo de vassalo.

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           Vamos conhecer algumas dessas mulheres notáveis da Idade Média.  A primeira delas, Santa Elizabeth da Hungria, é uma princesa que renunciou a uma vida de luxo e riqueza para se dedicar aos pobres. Uma mulher que, após sua conversão, viveu de forma intensa a religião, mas que nunca negou seu amor pelo casamento e pela família. “Jamais se viu a filha de um rei tecer a lã!”, maravilhou-se um contemporâneo. ”Uma mulher extraordinária”, resume Le Goff.

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           A princesa Elizabeth era filha do rei André II da Hungria e de Gertrude de Meran.  Casou-se aos 14 anos com o conde Luís da Turíngia, vivendo no ambiente frívolo da corte. Converteu-se por intermédio dos primeiros missionários franciscanos que chegaram à Alemanha. A religião trouxe grandes mudanças na vida da princesa, que começou a seguir os preceitos da ordem religiosa de maneira ostensiva: misturava-se aos pobres nas procissões, vestia-se como uma mendiga, recusava alimentos vindos de fontes “injustas” (dinheiro dos pobres ou da Igreja).

          Elizabeth se tornou uma grande crítica dos hábitos da corte, condenando o luxo e a lascívia. Exerceu a caridade de maneira surpreendente, doando os estoques de alimento do conde aos pobres, em tempos de fome, e transformando o palácio em uma espécie de hospital. Com a morte do marido nas cruzadas, ela abandonou a corte e fundou um hospital para leprosos, dedicado a São Francisco de Assis, em 1227. Ela seria canonizada em 1235, em um período de grande prestígio das ordens mendicantes. Morreu aos 24 anos, em condições humildes.

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          Diferentemente das viúvas ascéticas e virgens que a precederam, Elizabeth sempre deixou claro o amor que dedicava ao marido e aos três filhos, destacando a santidade do casamento. Conta-nos Le Goff: “Sua revolta é doce, mas perspicaz; é só por meio da radicalidade de seus atos que ela humilha seus adversários. (…) É assim que ela pôde tornar-se o símbolo medieval de outro poder, aquele da assistência social, a patrona dos hospitais e da caridade”. Elizabeth soube negociar habilmente com o marido e com a nobreza, conseguindo concretizar seus projetos caridosos. Representou a santa virginal, como viúva de moral inatacável, mas também a esposa amorosa e mãe; foi exemplo de vida para a nobreza e para os pobres; uma mártir que morreu jovem sempre cuidando de leprosos e miseráveis. O culto a santa Elizabeth reuniu uma série de modelos femininos de santidade. Uma das grandes figuras da Idade Média, sem dúvida.

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  • Texto de Márcia Pinna Raspanti.
  • Referência bibliográfica: “Homens e Mulheres da Idade Média”, sob a direção de Jacques Le Goff (Estação Liberdade, 2013).
  • Imagens: “exame de urina de Santa Elizabeth a fim de saber se está grávida”, miniatura século XV (Bíblia de João XXII, Montpellier, Museu Atger). Acima: St. Elizabeth washing a sick man, século XV,.

 

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