Moças “para casar”: suas virtudes e obrigações

No meado do século XX, continuava-se a acreditar que ser mãe e dona de casa era o destino natural das mulheres, enquanto a iniciativa, a participação no mercado de trabalho, a força e o espírito de aventura definiriam a masculinidade. Quanto às formas de aproximação e compromisso, o flerte – agora aportuguesado – continuava como o primeiro passo de um namoro mais sério. Regras mínimas para os encontros eram bem conhecidas. O rapaz devia buscar a moça em casa e depois trazê-la de volta – mas se ela morasse sozinha, ele não poderia entrar; o homem sempre pagava a conta; moças de família não abusavam de bebida alcoólica e de preferência, não bebiam; conversas ou piadas picantes eram consideradas impróprias; os avanços masculinos, abraços e beijos deviam ser firme e cordialmente evitados; a moça tinha que impor respeito.

Não importavam os desejos ou à vontade de agir espontaneamente, o que contavam ainda eram as aparências e as regras, pois – segundo conselho das tais revistas, “mesmo se ele se divertir, não gostará que você fuja dos padrões, julgará você leviana e fará fofoca a seu respeito na roda de amigos”. Durante os chamados Anos Dourados, aquelas que permitissem liberdades “que jamais deveriam ser consentidas por alguém que se preze em sua dignidade”, acabavam sendo dispensadas e esquecidas, pois “o rapaz não se lembrará da moça a não ser pelas liberdades concedidas”.

O noivado já era o compromisso formal com o matrimônio. Era um período de preparativos mais efetivos para a vida em comum. Era, também, um período em que o casal se sentindo mais próximo do casamento, poderia tentar avançar nas intimidades. Cabia especialmente à jovem refrear as tentativas desesperadas do rapaz, conservando-se virgem para entrar de branco na igreja.

Nas páginas de revistas, liam-se as críticas às liberdades do cinema, do rock’n roll, dos bailes de carnaval, e das “danças que permitem que se abusem das moças inexperientes”. Valorizavam-se as fitas que ressaltassem bons costumes e personagens bem comportados circulando em lugares bem freqüentados. Em alta: “a juventude saudável que sabe se divertir – sem escandalizar – e à brotolândia que dá exemplo de amor aos estudos e à família”. No mundo adulto, perseguiam-se as transformações juvenis e a rebeldia. A preocupação era com “meninos e meninas que bebem cuba-libre, freqüentam o Snack Bar em Copacabana, usam blusa vermelha e blue jeans, mentem para os pais, cabulam as aulas, não pensam no futuro e não tem base moral para construir um lar”. Temiam-se as “lambretices e escapadas para a escuridão do Aterro” (do Flamengo).

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Regras e advertências não foram suficientes para barrar algumas pioneiras que fugiam ao padrão estabelecido. Estas transgrediam fumando, lendo coisas proibidas, explorando sua sexualidade nos bancos dos carros, discordando dos pais e … abrindo mão da virgindade e por vezes do casamento, para viver um grande amor. A moda do “existencialismo” chega às praias tropicais. Lê-se Sartre e Boris Vian. O segundo sexo, de Simone de Beauvoir torna-se a bíblia das moças que se vangloriavam de “certo desgosto em viver”, aproveitando para compensá-la com prazeres. Prazeres que acabaram em filhos que criaram sozinhas.

Algumas escaparam à pecha de levianas e mal faladas, de serem chamadas de “vassourinha” ou “maçaneta” mantendo as aparências de moça respeitável. Outras sofreram e foram abandonadas em conseqüência de comportamentos “indevidos ou ilícitos”. Tais comportamentos podiam até mesmo inspirar muitos admiradores, mas estas jovens não casariam, pois “o casamento é para a vida toda e, nenhum homem deseja que a mãe de seus filhos seja apontada como doidivanas”. Já as que se comportavam como “moças de família”, não usando roupas sensuais, evitando ficar à sós no escuro, saindo só na companhia de um “segurador de vela”, estas tinham mais chance de fazer um bom casamento.

Mantendo a velha regra, eram os homens que escolhiam e com certeza, preferiam as recatadas, capazes de se enquadrar nos padrões da “boa moral” e da “boa família”.  A moça de família manteve-se como modelo das garotas dos anos 50 e seus limites eram bem conhecidos, embora as atitudes condenáveis variassem das cidades grandes para as pequenas, nos diferentes grupos e camadas sociais. No censo de 1960, 60,5% da população dizia-se casada no civil e no religioso.

Em contrapartida, relações sexuais de homens com várias mulheres não só eram permitidas, como freqüentemente desejadas. Tinha-se horror ao homem virgem: inexperiente. Os rapazes procuravam aventuras com as “galinhas ou biscates” onde desenvolviam todas as familiaridades proibidas com as “moças de família”. Sua virilidade era medida pelo número e desempenho nestas experiências:

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“[…] ir à zona era preservar a menina de sociedade […] o que o namorado não podia fazer com a namorada fazia lá. Tinha que ser lá, não podia ser com a namorada. E as meninas sabiam disso.

Havia também o fantasma do “aproveitador”, que abusaria da ingenuidade feminina, deixando, ao partir, o coração e pior, a honra em pedaços. Outro horror era o “mulherengo”, já comprometido, mas insaciável nos seus apetites. A contrapartida da moça de família era o “bom rapaz”, “bom caráter, correto e respeitador” que jamais passaria dos limites da decência. Mas, se os ultrapassasse, estava perdoado: afinal, era “natureza do homem”, falando mais alto.

Uma vez “unidos pelo matrimônio”, os ajuizados cônjuges viviam uma relação assimétrica. O bem estar do marido era a medida da felicidade conjugal e esta adviria, em consequência de um marido satisfeito. E para tal bem estar, qual a fórmula? Seu primeiro componente eram as “prendas domésticas”. Afinal, a mulher conquistava pelo coração e prendia pelo estômago. Outro quesito: a reputação de boa esposa e de mulher ideal. Quem era esta? A que não criticava, que evitava comentários desfavoráveis, a que se vestisse sobriamente, a que limitasse passeios quando o marido estivesse ausente, a que não fosse muito vaidosa nem provocasse ciúmes no marido. Era fundamental que ela cuidasse de sua boa aparência: embelezar-se era uma obrigação: “A caça já foi feita, é preciso tê-la presa” ou “Um homem que tem uma esposa atraente em casa, esquece a mulher que admirou na rua”. Jamais discutir por questões de dinheiro, aliás, o melhor era não discutir por nada. A boa companheira integrava-se às opiniões do marido, agradando-o sempre.

A grande ameaça que pairava sobre as esposas, como já visto, eram as separações. Além do aspecto afetivo, as necessidades econômicas – pois a maioria das mulheres de classe média e alta dependia do provedor – e do reconhecimento social – as separadas eram mal vistas – pesavam a favor do casamento a qualquer preço. Outra máxima do casamento, versão anos 50, era: “Liberdade para os homens!”. Maridos não deviam ser incomodados com suspeitas, interrogatórios ou ciúmes por suas esposas. Permitir que eles saíssem com amigos, relevar as conquistas amorosas e aventuras, e atraí-los com afeição eram procedimentos aconselhados para quem quisesse manter uma boa vida conjugal.

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A afinidade sexual parece ter sido um fator menos importante no ideal de felicidade conjugal, mesmo porque a mulher não tinha conhecimentos – ou não deveria tê-los – sobre a matéria. A esposa era antes de tudo o complemento do marido no cotidiano doméstico. O bom desempenho erótico de uma mulher casada estava longe de contar. As revistas silenciavam sobre o assunto, uma delas apenas – Querida – assinalando que a independência financeira e o maior acesso às informações favoreceriam o interesse feminino pela “satisfação física”. Nas páginas de O Cruzeiro, por exemplo, se faziam breves alusões ao “ajustamento sexual da união feliz”.

A única possibilidade de separação dos casais nos anos 50, não dissolvia os vínculos conjugais nem admitia novos casamentos. Em 1942, foi introduzido no Código Civil o artigo 315, que estabeleceu a separação sem dissolução de vínculo, ou seja o desquite. Desquitados de ambos os sexos eram vistos como má companhia, mas as mulheres sofriam mais com a situação. Ser chamada de “mulher” e não de “senhora”, como mostrou Nelson Rodrigues, era uma afronta: “Mulher é a senhora”, diria uma à outra! As “bem casadas” evitavam qualquer contato com elas. Sua conduta ficava sob a mira do juiz e qualquer passo em falso lhes fazia perder a guarda dos filhos. As posições anti-divorcistas, como já vimos, eram maioria. Uma “segunda chance” tinha pouca chance de se efetivar. Mesmo assim, a proporção de separações cresceu nos censos demográficos entre as décadas de Quarenta e Sessenta. Na burguesia, também se tornou mais comum que cônjuges separados, seguissem tocando a vida, reconstituindo seus lares através de contratos formais ou uniões no exterior.- Mary del Priore.

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  1. Deisi Luzia Zanatta

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