Crianças das Gerais entre o século XVIII e o XIX

Rua Direita, em Juiz de Fora. E mais o Largo do Riachuelo e o Alto dos Passos, a rua do Sapo e a do Progresso, a Comércio ou a Botanágua. Ruas da infância de um dos maiores escritores brasileiros, Pedro Nava. Ruas, dizia ele, onde caberiam todas as ruas e caminhos de Minas. Veredas e trilhas que foram os destinos de tantas crianças mineiras. Daquelas, que como o poeta, tinham casa, humilde ou soberba, a desaguar em logradouros nascidos da precoce urbanização da capitânia. Ou das outras, moradoras pelas veredas que cortavam as “águas vertentes”, ou seja, a comarca de São João d’El Rei, escanchada sobre a bacia do rio Doce e seus tributários; a de Sabará, até as mais distantes nascentes do São Francisco; a de Vila Rica, até as cabeceiras do Doce e a de Serro Frio, chegando às do Araçuaí. Crianças moradoras de ranchos e fazendas, integradas, “na rossa” –como se dizia – à vida rural de seus pais.

Presentes em toda à parte, tais crianças, como bem disse certa historiadora, “foram praticamente ignoradas” na correspondência oficial que, na Colônia se produziu. Não marcaram, tampouco, o olhar curioso, mas cheio de preconceitos, dos viajantes estrangeiros que, sobre as muitas Minas Gerais, nos deixaram infinitas descrições. A marginalidade na qual foram colocados estes pequenos atores históricos, não justifica, contudo, que o pesquisador não insista em contar sua história.

Ver mais  Aborto: uma questão de Estado?

Por onde começar? Seguindo a sugestão do poeta: pelas ruas de vilas e arraiais. Era aí que circulava a maioria de crianças, filhas “da gente de cor”. O conjunto, que somava mulatos, escravos e libertos, africanos ou brasileiros, era, nesta época, em Minas Gerais, três vezes e meia maior do que a população branca. A população mirim era, pois, constituída por pequenos pardos, cabras e mestiços que junto aos pretos e crioulos, perfaziam a imensa maioria. Dentre os escravos enviados para a região, o segundo grupo mais numeroso era de menores de quinze anos. Embarcados em Mina, Benguela ou Angola, vinham fazer vida nas lavras. Para além das marcas impressas na pele, tais crianças  traziam, outra: a de sua condição de nascimento. A grande maioria era ilegítima. Tinham nascido fora do casamento, dentro de uniões livres. Algumas ignoravam seus próprios pais. Outras possuíam paternidade reconhecida, mas, nasciam de genitores concubinados. A ilegitimidade, segundo as atas de batismo de quase toda a capitânia, era uma praxe. A vida familiar nas Minas  – explicou Luciano Figueiredo – era acompanhada pela presença marcante de crianças. Raros os casais com uma relação estável, repartindo ou não um mesmo domicílio, que não as tivessem. Os filhos naturais desta população predominavam.

Desde o início do século XVIII, a prevalência de crianças mulatas pelas ruas ensejou crítica ácida das autoridades que aí viam o anúncio de uma população mestiça e ameaçadora. Com a decadência da mineração e o aumento das alforrias ao final do mesmo período, cresceu o número de crianças perambulando pelas ruas, vivendo de pequenos expedientes e esmolas. Somava-se a tal condição, a instabilidade, bem como a rotatividade de grande parte da população paterna. Isto resultava em fogos, ou domicílios, com chefia marcadamente feminina. O resultado? Uma estreita ligação, mesmo econômica, entre mães e filhos. Uns ajudando o sustento dos outros. Mas, também, entre senhoras, – brancas, mulatas ou negras – e seus pequenos cativos.

Ver mais  O Trabalho Infantil no Brasil

– Mary del Priore

781px-Rugendas_-_Habitans_de_Minas

Habitantes de Minas Gerais, de Rugendas.

One Response

  1. Léa de Camargo Neves

Deixe uma resposta