Getúlio Vargas: da crise ao suicídio

A Guerra Fria, que inicialmente contribui para o retorno de Getúlio Vargas, eleito em 1950, visto como uma forma de contrabalançar a influência dos comunistas, torna-se um elemento desfavorável a sua continuidade no poder. Ciente dessa fragilidade, Vargas procura cooptar os opositores. No Exército, promove hierarquicamente, a partir de 1952, grupos antinacionalistas, e o mesmo é feito em relação aos políticos da UDN, a quem são oferecidas pastas ministeriais. A tentativa de cooptação estende-se aos comunistas: em 1952, deixa de ser obrigatória a apresentação de atestado ideológico – fornecido pela polícia – aos dirigentes sindicais.

Paralelamente a isso, é aprofundada a política econômica nacionalista, por intermédio de leis de grande impacto na opinião pública, como aquelas referentes à limitação de remessas de lucros de empresas estrangeiras ou à criação da Petrobras, que passa a deter o monopólio da exploração do petróleo brasileiro. A ousadia do presidente não para e, em 1953, Getúlio procura reforçar sua base popular indicando um jovem político com amplo apoio sindical para ocupar o cargo de ministro do Trabalho. Seu nome: João Goulart.

O novo líder trabalhista não esconde a opção política, atendendo reivindicações de reajustamento do salário-mínimo, aumentando-o em 100%. A crise se instala e o Exército, uma vez mais, é o porta-voz do descontentamento das elites. Em fevereiro de 1954, vem a público o Manifesto dos coronéis. O texto é um exemplo do radicalismo comum ao período da guerra fria. Queixando-se de que o aumento não era extensivo às forças armadas, os oficiais aproveitam a ocasião para denunciar a ameaça da “república sindicalista”, assim como a “infiltração de perniciosas ideologias antidemocráticas”, ou então para alertar a respeito do “comunismo solerte sempre à espreita…” pronto a dominar o Brasil.

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Em vez de cooptar as elites, Getúlio consegue assustá-las. Diante da crise, Vargas afasta João Goulart do cargo, mas mantém o aumento do salário-mínimo. A UDN, por meio de seu mais radical líder, Carlos Lacerda, multiplica as acusações de corrupção, de nepotismo e de uso de dinheiro público para promover jornais favoráveis ao governo. Por outro lado, as articulações políticas “acima dos partidos” acabam por afastar os aliados tradicionais. Em junho de 1954, o Congresso vota o impeachment de Getúlio Vargas. O pedido é rejeitado; mantêm-se, entretanto, fortíssimas pressões pela renúncia. Em agosto, um atentado a Carlos Lacerda, no qual estavam envolvidos elementos próximos a Vargas, sela definitivamente o destino do presidente. Um novo golpe militar é posto em marcha, mas acaba não dando certo.

Nas forças armadas, paralelamente aos nacionalistas e antinacionalistas, havia aqueles dispostos a garantir que a Constituição fosse respeitada. Alguns autores definem esse segmento como “legalista”. A suspeita de que o presidente estava tramando um novo golpe levou os antinacionalistas a conseguirem apoio dos legalistas. É nesse contexto que se interpreta o suicídio de Getúlio Vargas, ocorrido em 24 de agosto de 1954: um derradeiro gesto político, através do qual ele consegue sensibilizar as massas populares, ao mesmo tempo em que esvazia a aliança golpista no interior das forças armadas.

Dessa vez, o presidente acerta: os levantes populares após o suicídio inviabilizam a ação militar.

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– Texto baseado em “Uma Breve História do Brasil”, de Mary del Priore e Renato Venancio.

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Revolta popular após suicídio de Getúlio Vagas, em Porto Alegre e no Rio de Janeiro. (Imagens: O Globo).

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