Nas Visitações que fez o Santo Ofício no século XVI à Colônia, se descobrem várias bruxas, que se dedicavam a magias eróticas, como as famosas “cartas de tocar”. Em Minas, no século XVIII, certa Águeda é acusada de possuir um papel com algumas palavras e cruzes, “carta” esta que servia para as mulheres tocarem em homens desejados sexualmente. No Recife, certo Antonio Barreto era quem portava um papel com signo salmão e o credo às avessas, magia que servia para fechar o corpo e facilitar mulheres: “qualquer mulher que tocasse a sujeitaria a sua vontade”. Seriam inúmeros os exemplos.
Além das cartas de tocar recorria-se, também, com idênticos propósitos as orações amatórias, muito comuns na Colônia e práticas universalmente conhecidas. Este era um ramo de magia ritual em que era irresistível o poder de determinadas palavras e, sobretudo, do nome de Deus, mas, que não dispensava o conjuro dos Demônios. Tudo com o mesmo fim de conquistar, seduzir e apaixonar.
A bruxa baiana do século XVI, certa Nóbrega, mandava rezar junto ao amado: “João eu te encanto e reencanto com o lenho de Vera cruz e com os najos filósofos que são trinta e seis e com o mouro encantador que tu não te apartes de mim e me digas quando souberes e me dês quando tiveres, e me ames mais do que todas as mulheres”. Não tão melodiosa quanto a oração da Nóbrega era a que fazia Maria Joana do Pará setecentista – reza que a moca proferia fazendo cruzes com os dedos: “Fulano, com dois te vejo, com cinco te mando, com dez te amarro, o sangue te bebo, o coração te parto. Fulano, juro-te por esta cruz de Deus que tu andarás atrás de mim assim como a alma anda atrás da luz, que tu para baixo vires, em casa estares e vires por onde quer que estiveres, não poderás comer, nem beber, nem dormir, nem sossegar sem comigo vires estar e falar”. Poder-se-ia, também, aqui multiplicar os exemplos de rezas com fins eróticos que aludiam às almas, ao leite da Virgem, as estrelas, ao sangue de Cristo, aos santos, anjos e demônios.
Revelador de certa mistura religiosa pagã e cristã, o domínio dos sortilégios, a exemplo das orações é tão mais singular, quanto irrigado no Brasil, pelo fluxo de ingredientes culturais africanos e indígenas. Sortilégios e filtros para “fazer querer bem”, seduzir, reter a pessoa amada eram passados pela tradição oral, multiplicados pelo uso cotidiano, convivendo entre mais diversos grupos sociais. E neles, diferentemente das cartas de tocar ou das orações amatórias, o que vale é o baixo corporal que aparece referido diretamente, quando não tocadas ou usadas partes genitais e o líquido seminal. Ensinando a uma de suas clientes um bom modo de viver bem com seu marido, a Nóbrega da Bahia mandou que a mulher furtasse três avelãs, enchesse os buracos abertos com pêlos de todo o corpo, unhas, raspaduras de sola dos pés, acrescesse a isso uma unha do dedo mínimo da própria bruxa e, feita a mistura, engolisse tudo. Ao “lançá-los por baixo”, pusesse tudo no vinho do marido. Para driblar dificuldades, a receita – como vê o leitor, – era simples.
Amantes desprezados, enamorados em dificuldades, todos apelam à piedade popular na tentativa de reaver a felicidade amorosa. Na ineficiência da intercessão divina, recorre-se também ao demônio: “lavar-se no rio com folhas de árvores e repetir – Diabo, juro me fiar de ti, me lavo com estas folhas para fulana me querer bem”, ensinava certo índio processado pelo Tribunal do Santo Ofício.
Outro artifício ensinado pela mesma Nóbrega, envolvia o sêmen do homem amado. Consistia em, consumado o ato sexual, a mulher retirar da própria vagina o sêmen, colocando-o no copo de vinho do parceiro. Nóbrega garantia, beber sêmen, “fazia grande bem, sendo do próprio a quem se quer”. Aos finais do século XVI, Guiomar de Oliveira confessava ao visitador do santo Ofício Heitor Furtado de Mendonça que teria “aprendido dos Diabos que semente de homem dada a beber fazia querer grande bem, sendo semente do próprio homem do qual se pretendia afeição depois de terem ajuntamento carnal e ter caído do vaso da mulher”. O contato com a “madre”, ou seja, com o baixo corporal feminino, conferia poderes mágicos e ora servia para querer bem, ora para sujeitar vontades por isso a negra Josefa, em Minas setecentista, lavava as partes pudentes com a água que misturava a comida de seu marido e de seus senhores.
Sendo a mulher um agente de Satã, toda a sexualidade feminina podia prestar-se a feitiçaria. Seu corpo, ungido pelo mal, se tornava o território de intenções malignas. Cada pequena parte seria representativa desse conjunto diabólico, noturno e obscuro. Além dos sucos femininos, também os pêlos compõem esta ambígua farmacopéia que trata e cura as astúcias do Demônio. Adoentada, a negra Tomásia, em 1736, na Bahia, foi tratada com defumadouros com cabelos das partes venéreas” de duas outras escravas e material seminal resultante da cópula de ambas com um padre exorcista. Gilberto Freyre enumera pelos de sovaco ou das partes genitais, suor, lágrimas, saliva, sangue, aparas de unhas, esperma, sangue menstrual, urina e fezes entre as substâncias usadas por catimbozeiros na preparação de feitiços amorosos, observando que a perícia nesses feitiços e na confecção de afrodisíacos foi responsável pelo prestígio que gozavam os escravos macumbeiros junto aos senhores brancos “já velhos e gastos”, necessitados, portanto da ajuda de forças ocultas e poderosas.
Nesse contexto é que se devem compreender atitudes como a do Pe. Marcos Teixeira, jesuíta do colégio de Santo Antão, em Lisboa. O padre, useiro e vezeiro em meter as mãos nos peitos das penitentes, ao confessar no ano de 1744, Francisca Teresa de Figueiredo, moradora da Vila de Sertã no Priorado do Crato, em Portugal, “lhe dissera que lhe havia de dar, no outro dia uns cabelos de suas partes pudentes e que se no outro dia não tivesse ocasião de lhe dar os ditos cabelos, que lhes daria para o ano, quando tornasse em missão”. Esse costume também foi trazido para a Colônia, pois, nessa mesma época, no Maranhão, Pe. José Cardoso, também jesuíta, era denunciado por pedir a Marciana Evangelha, moça solteira de 29 anos, “uns cabelos da parte baixa” e um pouco do seu sêmen.
– Mary del Priore. Baseado “História do Amor no Brasil”.
“Costumes do Rio de Janeiro”, Rugendas.