Escravidão: trabalho exaustivo, doenças e castigos

              Nos engenhos, o escravo faria parte de uma equipe de doze ou quinze homens e mulheres. Se apresentasse aptidão para algum ofício especial, se tornaria aprendiz de um escravo mais antigo. A produção de açúcar exigia diversos especialistas. Desde pedreiros, carpinteiros e marceneiros até oficiais da casa de caldeira, purgadores, trabalhadores no serviço de enxada, da casa de caldeira, do serviço de moenda ou da horta, assim como carreiros, carapinas, pedreiros, arrais de saveiros, entre outros.

            Com frequência, ofícios mais particularizados eram reservados aos escravos crioulos; porém, muitas vezes o africano chegava formado por seu clã ou sua tribo, pois nas aldeias não faltavam artesãos. Todo o cuidado que lhes era dispensado devia ser entendido como zelo pelo capital que representavam. Tratá-los como “coisa” era natural, regra, aliás, seguida pela Igreja Católica, que os possuía, às centenas, em seus conventos e propriedades. O castigo físico exagerado era, contudo, condenado, pois os meios de conseguir subordinação eram mais sutis.

            Ninguém nega que tenha havido senhores sádicos e que a escravidão fosse um sistema monstruoso. O jesuíta Antonil advertiu aos senhores de engenho: “Aos feitores, de nenhuma maneira se deve consentir o dar coices, principalmente nas barrigas das mulheres que andam pejadas, nem dar com paus nos escravos porque na cólera não se medem os golpes, e pode ferir na cabeça um escravo de muito préstimo, que vale muito dinheiro e perdê-lo.” Mais eficiente seria dar “algumas varancadas com cipó às costas”. Padre Vieira, no século XVII, em sermões inflamados, comparou o sofrimento do escravo numa fazenda de açúcar ao do Cristo na Cruz. E o jesuíta Jorge Benci, professor de teologia em Salvador, de 1684 a 1687, enfatizou a responsabilidade dos donos para com seus escravos: abrigo, alimento e roupa e educação católica.

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            Mas, de acordo com vários autores, o chicote, o tronco, a máscara de ferro ou o pelourinho só eram utilizados em caso de inadaptação, repulsa ao trabalho e tentativa de fuga. Era preciso também dar ao escravo algum espaço de liberdade, favorecer a constituição de famílias e de grupos de solidariedade por meio de práticas religiosas e um calendário de festas. Um desses era a garantia de um dia por semana livre, além do domingo. Nele, era possível o escravo plantar produtos agrícolas, cuidar de pequenas criações, fazer trabalhos artesanais e revender o excedente nos mercados locais e mesmo à beira das estradas. Alguns bem-sucedidos conseguiam comprar a liberdade com as economias resultantes desse pequeno comércio.

          Houve senhor que preferiu oferecer recompensas e incentivos. Graças a eles, o escravo poupava para sua alforria. Quando esta era recusada, acontecia de o cativo, sobretudo se crioulo, fugir com as economias feitas. E há histórias como a do escravo caldeireiro, tão eficiente que seu senhor se recusou a vendê-lo, acorrentando-o, para que não escapasse. Ao morrer o senhor, o escravo não só comprou à viúva a sua liberdade, como constituiu “uma firma de caldeiras que lhe rende grandes lucros anuais; e esse homem prejudicado agora vive com tranquilidade e conforto”, segundo contou Henry Koster, ele mesmo, administrador de engenho em Pernambuco, em 1809.

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          Escravos trabalhavam muito. De todos e em qualquer serviço era exigida uma média de quinze a dezessete horas de trabalho. Mas havia limites respeitados. Chuvas intensas interrompiam o ritmo das colheitas. O trabalho noturno só se fazia durante a fase de cozimento do melaço. A jornada no campo era intercalada para comer. O calendário religioso se encarregava de reduzir os dias úteis a 250. Mortalidade alta? Sim, em razão das doenças endêmicas do Brasil: tuberculose, sífilis, verminoses, escorbuto, disenterias, tifo, frequentemente mortais e agravadas pelo péssimo estado de salubridade das senzalas.

  • Texto de Mary del Priore.  Extraído de “Histórias da Gente Brasileira: Colônia”, Editora LeYa, 2016.

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