Os trabalhos braçais eram considerados degradantes pela nobreza colonial nos séculos XVII, XVIII e boa parte do XIX. Devemos destacar que tal preconceito demorou bastante para ser mudado, chegando até o século XX, em algumas camadas mais elevadas da sociedade brasileira. Os escravos eram responsáveis por todas ações que exigissem algum tipo de esforço físico. Qualquer trabalho “mecânico” era tido como vergonhoso. Este pensamento tinha origem no conceito português de nobreza: um dos requisitos para ser nobre era não exercer, nem ter parente ou antepassado que exercesse este tipo de ofício. É curioso observar que havia algumas artes que eram consideradas “neutras”, ou seja, não eram “mecânicas”, como ourivessaria, pintura, escultura, cirurgia, entre outras. Existia assim uma classe intermediária em Portugal, que não era nobre, nem tampouco plebeia. Maria Beatriz Nizza da Silva disseca estas questões no livro “Ser Nobre na Colônia”.
Aqui no Brasil, os títulos de nobreza eram raros, pelo menos até a chegada da Família Real Portuguesa, em 1808, quando D. João VI começou a distribuir honrarias. Formou-se uma casta de “fidalgos”, geralmente sem título, mas com posses, disposta a provar a todo custo seu caráter nobre e distinguir-se da “arraia miúda”. Os excessos tornaram-se regra e contaminaram até as classes sociais mais baixas. Ninguém queria exercer qualquer coisa que lembrasse de longe trabalho ou esforço – estas tarefas eram deixadas aos escravos. Um bom exemplo, era o costume dos senhores e senhoras serem transportados por redes, cadeirinhas ou liteiras, carregados pelos servos.
Tais costumes chocavam os estrangeiros que passavam pela Colônia. Era comum que europeus se referissem ao Brasil como o “berço da preguiça”. Os homens se dedicavam a administrar o trabalho dos cativos. Mesmo os mais pobres, quando conseguiam juntar dinheiro, compravam escravos para “colocar a mão na massa”, como diríamos hoje. As mulheres mais ricas ficavam deitadas em suas esteiras, sendo abanadas pelas escravas e quase não se movimentavam. Talvez por isso, ficou tão cristalizada a imagem das robustas senhoras, vestidas com desleixo (como era hábito para ficar em casa), a gritar com as negras para que elas lhes trouxessem uma simples concha d´água ou um xale. As sinhazinhas também viviam no ócio, realizando alguns bordados para o enxoval para ocupar o tempo. A costura e o corte de tecidos ficou sendo um dos trabalhos mais importantes dos escravos de “dentro”, junto com o serviço da casa.
Esta situação acabou se revertendo favoravelmente para a população “de cor” – escrava ou forra – no século XIX. Os ofícios ligados à moda se tornaram bastante valorizados quando os portos brasileiros foram liberados para receber produtos importados, trazendo uma grande variedade de tecidos e outros produtos ligados à indumentária e à beleza. – Márcia Pinna Raspanti
Todo o trabalho “mecânico” era feito pelos escravos: o ócio como símbolo de status (flagrantes de Debret).
Até hoje isso permanece. Não é por acaso que sempre acabam em nada, ou quase nada, as tentativas, por exemplo, de ensino profissionalizante no ensino médio (ou colegial). Mesmo entre as classe mais humildes, um emprego em escritório é sempre mais valorizado do que um emprego braçal, mesmo que a atividade braçal remunere melhor o empregado. Aquela coisa norte-americana de o menino de classe média pegar um trabalho de distribuir jornais, por exemplo, nas férias, para ganhar uns trocados, nem pensar… E, naturalmente, preguiça e arrogância sempre andam de mãos dadas…
Como é importante a leitura do passado para entendermos o presente, costumes sociais e sobretudo expressões que permanecem na língua. E você faz isso de forma atraente, texto enxuto e rico. parabéns.