DICA DO LEITOR: História do Corpo no Brasil

A resenha abaixo foi escrita por uma leitora do blog,  Izildinha A. Gonçalves Vitorelli, estudante do curso de História pela Universidade do Sagrado Coração, Bauru/SP. Obrigada pela colaboração!

A obra História do Corpo no Brasil foi organizada pelas historiadoras Mary Del Priore e Márcia Amantino. Publicado pela Editora UNESP em 2011, o livro é composto de 565 páginas e se divide em três partes e dezoito capítulos. O elo entre os artigos está no enfoque sobre o corpo humano em uma perspectiva histórica, embora tratado sob óticas, abordagens e concepções teóricas variadas.

A primeira parte do livro é composta por textos que analisam o período colonial brasileiro. Os três primeiros capítulos tratam dos corpos indígenas nus na chegada dos portugueses ao Brasil. “E eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas”, de Márcia Amantino, apresenta comentários de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal sobre os corpos nus, a inocência e naturalidade dos habitantes da Colônia, a beleza singela das mulheres indígenas.

Em “Corpo e santidade na América Portuguesa”, o autor, Anderson J. M. de Oliveira, mostra a relação entre o nudismo indígena e a visão cristã, o corpo morto e os vestígios de santidade. Em “Corpos pretos e mestiços no mundo moderno-deslocamento de gentes, trânsito de imagens”, Eduardo F. Paiva descreve e compara a suposta diferença entre os corpos dos negros escravos africanos, dos indígenas e dos brancos europeus.

Nos capítulo seguinte, Mary Del Priore analisa “O corpo vazio, imaginário sobre a esterilidade entre a colônia e o Império”, que discute desde a chegada do Viagra ao mercado aos desperdícios do sêmen, ainda a emancipação da mulher e sua deliberação sobre o próprio corpo após a chegada dos anticoncepcionais. Em “O corpo sedento e as bebidas na História do Brasil”, Henrique Carneiro faz a relação entre a composição corpórea, os rios, as chuvas, os vinhos e os sabores e prazeres da bebida no Brasil. “O corpo morto e o corpo do morto entre a Colônia e o Império”, de Cláudia Rodrigues e Maria da Conceição V. Franco, apresenta a significativa transformação quanto aos cuidados e rituais dedicados aos cadáveres.

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O sétimo capítulo, e foco central dessa análise, intitula-se “Vestindo o corpo: uma breve história da indumentária e a moda no Brasil, desde os primórdios da colonização ao final do Império” e foi desenvolvido por Márcia Pinna Raspanti. A autora faz uma breve explanação relatando a importância da indumentária do século XVIII até o final do Império no Brasil, a preocupação dos portugueses quanto ao vestuário em terras de corpos nus e as tradições nas quais a vestimenta identificava as classes sociais e demarcava as origens de cada um. Tal estudo é ferramenta importante para entendermos as relações entre os aspectos sociais e étnicos no início da colonização no Brasil.

Neste contexto, a elite distanciava-se das massas populares, enquanto os moralistas da Igreja e do Estado, preocupados com o “bem público”, condenavam as ostentações e o luxo excessivo em uma sociedade em que os trajes eram tão valiosos quanto terras, gado e escravos. O jesuíta Antonio Vieira, em um dos seus sermões, admoesta o povo do Maranhão em relação ao uso ostensivo de joias e vestimentas, caracterizando-o como “pecado da vaidade”. Grande parte da população buscava identificar-se com a nobreza, reproduzindo os costumes europeus, em especial o português, contraindo, assim, grandes dívidas com os mercadores de tecidos. Esses tecidos vinham da Europa, em especial da Inglaterra, de quem os portugueses compravam e revendiam no Brasil a custos altíssimos.

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A população pobre vestia-se de roupas usadas e fora de moda, compradas de segunda-mão, e calçavam alpercatas, botinas grosseiras ou sandálias. Os escravos não dispunham de trajes adequados, principalmente nas fazendas. Nas cidades, vestiam-se melhor, especialmente quando eram obrigados a sair, acompanhando as senhoras em seus passeios, o que era sinal do prestígio de seus senhores. As mucamas usavam saias longas e rodadas, blusas largas e soltas com um xale por cima, peça usada pelas mulheres indígenas também. Quanto mais rico era o senhor, mais se ostentava essa riqueza nas roupas de seus escravos. Os libertos, muitas vezes esquecidos, foram condenados à miséria e à exclusão, embora uma parte deles tenha se estabelecido e sido incorporada à sociedade. Chica da Silva foi um exemplo disso.

Houve grandes mudanças no vestuário na colônia quando a família real veio para o Brasil. A corte portuguesa não primava pela elegância e luxo no trajar, o que decepcionou os colonos, que os imaginavam glamorosos e cheios de pompa. Os portugueses tentavam copiar os modismos franceses, muito embora não tivessem respaldo suficiente para reproduzir tais esplendores.

Os capítulos seguintes tratam das doenças, do suicídio e da higiene. A segunda parte engloba análises sobre o período republicano. No artigo “O que não se vê: corpos femininos nas páginas de jornais maliciosos”, Cristiana Schettini examina periódico que circulavam na cidade do Rio de Janeiro, no início do século XIX, com imagens de mulheres nus e textos picantes e a relação que a sociedade carioca mantinha com eles. Mauricio Parada, em “Corpos infantil e nacional: políticas públicas para a criança durante o Estado Novo”, esclarece como o governo de Getúlio Vargas investiu na construção de uma imagem idealizada de corpo usando crianças e jovens como modelos de bons cidadãos.

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O capítulo treze, “Corpos-máquinas: trabalhadores na produção industrial em São Paulo”, (1930, 1940), de Sonia D. R. Bercito, trata dos corpos dos trabalhadores das indústrias paulistas. Em “Exclusão e inclusão: fardos sociais das deficiências e das anormalidades infantis no Brasil”, Lilia F. Lobo reflete sobre como os corpos de crianças portadoras de deficiências eram vistos pela sociedade.

A terceira parte é voltada para os usos dos corpos na atualidade. Os capítulos abordam os padrões de beleza atuais, transtornos alimentares e sua relação com questões afetivas, e a busca por um corpo atlético.

Este é um livro que pode ser classificado entre aqueles de leitura simples e agradável, de fácil entendimento e muito rico em detalhes históricos. A exposição dos temas aqui descritos permite o perfeito entendimento de quão diverso tem sido o tratamento dado ao corpo no perpassar do tempo, do ontem até o hoje, e, talvez, permita-nos imaginar aquele que está por vir, embora esse mesmo tempo, às vezes, tome rumo completamente inesperado, fugindo às nossas previsões.

É indicado como boa fonte de pesquisa para produções acadêmicas, cinematográficas e teatrais, ou como simples entretenimento para aqueles que prezam a leitura e fazem do saber um dos prazeres da vida.

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DEL PRIORE, Mary; AMANTINO, Márcia (Orgs.). História do corpo no BrasilSão Paulo: Ed.UNESP, 2011.

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