D. Amélia: a princesa que conquista o coração de D. Pedro

Após a morte da imperatriz Leopoldina, em 1826, D. Pedro incumbiu o Marquês de Barbacena de lhe conseguir uma nova esposa nas cortes europeias. Tarefa difícil devido à má fama do imperador brasileiro como marido e às agitações políticas do jovem império brasileiro. Finalmente, foi acertado o casamento com a bela princesa Amélia, nascida em 31 de julho de 1812, o que frustraria definitivamente os planos de Domitila de se tornar imperatriz e colocaria fim ao rumoroso caso de amor, que escandalizou a corte.

 

     No dia 30 de junho de 1829, o Marquês de Barbacena assinava em Canterbury o tratado de casamento de D. Pedro com a princesa Amélia Augusta Eugênia Napoleona, filha do duque Eugênio de Leuchtenberg, ex-vice-rei da Itália. Tinha todas as qualidades exigidas por D. Pedro: formosura, virtudes e instrução. Menos nascimento: ela era neta de um jovem rei, pois o Reino da Baviera fora criado por Napoleão, e o pai dela, o príncipe Eugênio, filho do primeiro casamento da imperatriz Josefina, era enteado do grande general e foi por este adotado – o que não o fazia ter primazia perante outros nobres e casas reinantes antigas. Eugênio recebia o tratamento de Alteza Real, mas seus filhos, nem o de Real, nem Imperial.

     O certo é que, tão cedo viu o retrato da bela Amélia, D. Pedro deixou de ir à casa de Domitila. Queria guardar “para essa ocasião as belas ervilhas”. Ela pedia notícias, ele limitava-se a falar da saúde. Ornava as frases com delicadezas: “Filha, muito agradeço o cuidado que tens com minha saúde; eu estou bem e desejo que tu também estejas.” Segundo o Chalaça, tudo mudou: o imperador não dormia mais fora de casa, só fazia visitas acompanhado e “não tinha mais amores”. Barbacena escrevia, temeroso de que a marquesa não tivesse saído do Rio. Afinal, semanas antes, os jornais ingleses tinham publicado a notícia do casamento com Domitila: “lady of some beauty”!

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    Na Europa, os jornais seguiam bombardeando a figura do imperador: o pedido quase foi recusado, mas a “repugnância” foi vencida graças a uma influência estrangeira. O casamento de “Dom Pédre” foi concluído com mistério. Publicações e anúncios exigidos pela etiqueta, negligenciados. Apesar de todas as dificuldades, no dia 24 de agosto, D. Amélia embarcou para o Brasil. No caminho, recolheu D. Maria da Glória em Plymouth.
O idílio que melindrava a corte, que escandalizou as cabeças coroadas na Europa, que ofendia a opinião pública, encerrou-se em surdina. Houve quem reagisse à partida de Domitila para São Paulo: temia-se que a favorita voltasse
mais uma vez. Que D. Pedro se enfastiasse da nova esposa e ela retornasse. Por isso, que fosse mais longe, para a Europa, clamavam alguns. O conto de fadas virou uma crônica de sofrimento e humilhação. A mãe de Domitila, em maré de caridade, alforriou dois escravos “por bons serviços”. Confirmaram-se as licenças e vencimentos dos irmãos em São Paulo e o jornal Diário Fluminense de 28 de agosto de 1829 anunciou: “A excelentíssima Senhora Marquesa de Santos partiu ontem desta corte para a cidade de São Paulo. A sua mobília está embarcada a bordo do bergantim União Feliz, que segue para a vila de Santos no dia 29 corrente.”

Aquele que, meses antes, se assinava “o filho e amante até a morte” deixou os sentimentos e a carne de lado e despediu-se da concubina em versos de mau gosto:

“De couros duros e moles/ fazem-se coldres e surrões/ bruacas, sacos e colchões […] e até de maus atanados/ também se fazem marquesas [cadeiras].”

Não contente, apagou todos os traços de sua passagem na corte. O lento retorno de Domitila a São Paulo foi feito ora em liteira ora a cavalo. O bispo de São Paulo mandou oferecer-lhe pouso, além de repicar os sinos de Santa Teresa, saudando sua chegada. Ela preferiu instalar-se discretamente numa chácara. Evitou a cidade e
as maledicências. Não aquelas sobre a bastardia de suas filhas, pois São Paulo abrigava muitas moradoras, brancas, pardas e negras, com filhos ilegítimos. Mas aquelas que conjecturam sobre o novo casamento de D. Pedro ou sua fracassada tentativa de tornar-se rainha.

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     No dia 16 de outubro, a jovem Amélia de Leuchtenberg desembarcou no Rio de Janeiro e, no dia seguinte, os noivos trocaram alianças. O marquês de Barbacena, testemunha ocular do encontro, assim o relatou: “Vi os noivos tão ocupados um do outro, como se fossem namorados de muitos anos. Neste momento considero aqueles dois entes os mais felizes do mundo.” Entusiasmado, o marquês de Resende descreveu a noiva: “Um ar de corpo como o que o pintor Corregio deu nos seus quadros à rainha de Sabá e uma afabilidade que aí há de fazer derreter a todos fizeram com que eu exclamasse, na volta para casa: valham-me as cinco chagas de N. S. Jesus Cristo, já que pelos meus enormes pecados não sou o imperador do Brasil.” E prosseguia, inconveniente: “Que fará o nosso Amo, na primeira, na segunda e em mil e uma noites? Que sofreguidão!” Não errou. Durante anos, D. Pedro chamaria carinhosamente a esposa de “bocado de rei”.

No dia seguinte, a cidade engalanou-se para as bodas. Salvas de artilharia, iluminações, repiques de sinos e arcos triunfais saudaram o longo cortejo de carruagens, desde o Arsenal da Marinha até a capela imperial, onde se celebrou o casamento religioso. Encerrou-se a cerimônia com um Te Deum cantado pelos professores da Imperial Câmara e música de autoria do próprio imperador. D. Amélia adotou o costume que vinha da época do consulado napoleônico: o “vestido de casamento” longo, branco e acompanhado de véu de renda, como o
que usara Carolina Bonaparte para esposar o general Murat.

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Apesar da pouca idade, D. Amélia veio para mudar a vida de D. Pedro I e também a de sua corte. Ao chegar ao Paço de São Cristóvão, ficou impressionada com a desordem. O imperador recebia a todos de qualquer maneira. Imediatamente tratou de disciplinar o palácio, impondo etiqueta e cerimonial, obrigando o cumprimento de horários e colocando o francês como língua oficial. Além disso, introduziu o refinamento dos serviços e da indumentária. Feminina, belíssima e moça, Amélia não só inspirou a Ordem da Rosa, condecoração criada pelo marido em sua homenagem, com a legenda “Amor e Fidelidade”, como consolidou nos trópicos um savoir-vivre característico das cortes europeias – algo que Leopoldina se esquecera de trazer na bagagem, com os livros de botânica e mineralogia.

  • Texto de Mary del Priore, baseado em “A Carne e o Sangue”, editora Rocco, 2012.

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