“Corpo de verão”: beleza, magreza e frustração

As carnudas estrelas dos anos 50, como Marilyn Monroe, Sophia Loren ou Anita Ekberg, foram substituídas, nos 60, por criaturas esquálidas. O modelo? Certa Twiggy, uma inglesa sardenta e seus epígonos: Kate Moss, Claudia Schiffer, entre outras. Nossa época lipofóbica deixou para trás o padrão de estética burguês que associava riqueza e gordura. A estigmatização de gordos e gordas é produto do fosso cada vez mais profundo entre identidade social e identidade virtual. A alimentação em quantidade, foi substituída por aquela em qualidade, que é promessa de saúde e beleza.

Nessa lógica, o corpo precisa refletir  o controle narcísico dos apetites, das pulsões, das fraquezas. Ai daquelas que não se controlam frente ao prato de batatas fritas! Vencidas pela gula, as gordas, são consideradas perdedoras, inspirando, segundo pesquisadores, imagens ligadas à “piedade” e  “pena”. Tornar-se um saco de ossos parece o ideal da mulher contemporânea, mulher que habita um mundo onde milhares morrem de fome. Regimes obsessivos associados à estética do corpo multiplicam-se nas revistas femininas que lhes consagram números inteiros com terríveis títulos do tipo: “última chance antes do verão!”. O espelho retruca: “nunca bastante magra”.

A retórica sobre a magreza não pode ser mais repressiva. O resultado dessa onda é que os casos de bulimia e anorexia nervosa, não param de se multiplicar entre jovens europeias. As chamadas desordens alimentares vêm mobilizando médicos de toda a parte. Eles não hesitam em afirmar que a magreza é, hoje, uma questão sociocultural.

Ver mais  Dia das Crianças: consumismo e educação

A publicidade embute, em relação àquelas que não se encaixam nos padrões, uma ideologia de fracasso, de impotência frente ao próprio corpo. A indústria cultural ensina as mulheres que cuidar do binômio saúde-beleza é o caminho seguro para a felicidade individual. É o culto ao corpo na religião do indivíduo onde cada um é simultaneamente adorador e adorado. Mas o culto não é para todos. O tal corpo adorado é um corpo de “classe”. Ele pertence a quem possui capital para frequentar determinadas academias, têm “personal trainers”, investe no “body fitness”  sendo trabalhado e valorizado até adquirir as condições ideais de competitividade que lhe garanta assento na lógica capitalista. Quem não o modela, está fora, é excluída.

A pressão de tornar-se fisicamente perfeita caminha, lado a lado, com o ideal de conseguir  chegar ao corpo ideal, em forma, saudável. Mesmo que às custas de atropelar calorias necessárias para uma vida equilibrada. “Jantares? Só quando convidada e mesmo assim deixou de ser um dos meus programas prediletos, pois vivo numa dieta rigorosa […] como já disse, comer há muito deixou de ser um prazer e sim a satisfação pura e simples de uma necessidade vital. Me alimento muito mais dos elogios que recebo”, explica uma mulher.

O fim do século XX inventou, segundo Jean-Paul Aron, um narcisismo coletivo, uma estética insólita do amor de si. A beleza instituiu-se como prática corrente, pior, ela consagrou-se como condição fundamental para as relações sociais. Banalizada, estereotipada, ela invade o cotidiano através da televisão, do cinema, da média, explodindo num todo – o corpo nu, na maior das vezes, – ou em pedaços – pernas, costas, seios e nádegas. Nas praias, nas ruas, nos estádios ou nas salas de ginástica ela exerce uma ditadura permanente, humilhando e afetando os que não se dobram ao seu império. – Texto de Mary del Priore.

Ver mais  Brasil Império: a modernização e a febre do consumo

Referência Bibliográfica: “Corpo a Corpo com a Mulher”, de Mary del Priore (Ed. Senac, 2000).

marilynTwiggy

De Marilyn a Twiggy: a ditadura da beleza.

One Response

  1. maria josé davino alves

Deixe uma resposta