Pioneiras do cinema brasileiro

Anos 30: passou-se do penico ao water-closet, do moleque de recados ao telégrafo. As saias femininas encurtaram e os cabelos também. “Melindrosas” dançavam o charleston ao som do fonógrafo enquanto as “baratinhas”, pilotadas por jovens gomalinados enchiam as ruas disputando espaço com transeuntes. Esse foi o   momento em que começaram a surgir as primeiras salas de cinema. Todas as capitais tiveram seus cines Pathé, Royal ou Palace, alguns inclusive com orquestra que acompanhava as peripécias dos atores na tela. Revistas como a modernista Klaxon, a Écran ou Cinema se encarregavam de difundir modelos e novos hábitos, enquanto as elites trocavam a vida fechada e isolada do mundo rural, pelas novas formas de reunião social e diversão abertas com a modernização das cidades. O cinema tornou-se um dos seus principais pontos de encontro.

             Mas se as mudanças se aceleravam, a condição da mulher pouco se alterava. Durante décadas, tanto no cinema quanto na vida real, ela foi vista como um apêndice do homem, reduzida à imagem de mãe e rainha do lar. E nos primórdios do cinema falado, as que desejassem reger eram obrigadas a fazê-lo por meio de produções domésticas e contavam apenas com o apoio de marido e filhos. A pioneira, Cléo de Berberena, para produzir O mistério do dominó negro, teve que vender suas joias e propriedades. Almery Steves e Rilda Fernandes também revolucionaram ao atuar e, simultaneamente dirigir. Além de grandes estrelas, foram sócias da Aurora Filmes, principal produtora de cinema durante os anos 1925 e 1931, em Recife, cujo objetivo era valorizar o cinema nacional e os temas regionais contra os estrangeiros.

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As dificuldades não as desanimavam. Em depoimento, a atriz Giorgina Marchiani lembrou que muitas mulheres, não apenas dirigiam e representavam, como, com a câmara na mão, filmavam também. Ela mesma teria rodado várias sequências de O Guarani, realizado em São Paulo, em 1916, numa época em que não havia câmera-men. Outro nome que inovou foi o de Carmem Santos. Embora os primeiros filmes que estrelou jamais tenham sido exibidos, provavelmente por tratarem de temas “avançados” para a época, Carmem financiou vário filmes de Humberto Mauro, entre os quais Sangue Mineiro e Lábios sem beijos.

A cantora e atriz de rádio Gilda de Abreu foi a primeira mulher a ter sucesso como diretora. Em depoimento, Gilda registrou que fazer cinema era extremamente difícil. Os técnicos não aceitavam que uma mulher os comandasse, desconfiados de suas capacidades. Ela comparecia aos sets de filmagens, em calças compridos, para “se igualar aos homens”. Com o marido, o famoso cantor Vicente Celestino, Gilda possuía sua própria companhia, encenava operetas e reproduziu no cinema uma das peças de maior sucesso do companheiro: “O Ébrio”.

Apesar da ousadia e determinação, as cineastas acabavam por deixar se reproduzir nas telas a dominação que era vivida fora delas. As personagens femininas só existiam para fazer parceria amorosa com as masculinas. Ao contrário dos homens, a maioria esmagadora  não tinha atividade profissional, salvo de “domésticas”. Feias e velhas eram remetidas aos papéis caricaturais. Ser rainha da beleza e eternamente jovem era a condição da mulher, já que só seu corpo era valorizado. Só as belas tinham direito ao “happy end” e a felicidade. O casamento era o clímax do enredo e a solução para todos os problemas femininos.

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A partir dos anos 40, multiplicou-se o número de mulheres redatoras de scripts e coreógrafas, articuladas com os ambiciosos estúdios brasileiros, como o Atlântica e o Vera Cruz, em que foram rodados muitas chanchadas e melodramas. A partir dos anos 60, cresceu  a presença feminina entre montadoras, produtoras, documentaristas e autoras de curtas-metragens. Vanja Orico, Rosângela Maldonado, Teresa Trautman e Ana Carolina são alguns dos nomes que ajudaram a consolidar a qualidade do cinema brasileiro a partir dos anos 70. – Mary del Priore

Gilda de Abreu-Fotovanja-orico

Musas do cinema nacional: Gilda de Abreu e Vanja Orico.

 

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