Chega o Século XX – costumes e moda

                     O final do Segundo Império e a proclamação da República, em 1889, modificaram o clima político, social e cultural do País. A economia também se transformara, trazendo um fluxo de capitais estrangeiros, em um montante nunca visto antes por aqui. O consumismo invade o Brasil; na moda masculina, surgem os primeiros dândis.

           As transformações foram profundas: as fortunas mudavam de mãos rapidamente e muitas das tradicionais famílias que eram influentes junto ao velho imperador perderam seu prestígio. O Encilhamento, a política econômica adotada durante o governo provisório do marechal Deodoro da Fonseca, foi implementado pelo então ministro da Fazenda Rui Barbosa para resolver os problemas econômicos deixados pela Monarquia. Para resolver a questão da falta de dinheiro circulante, necessário para pagar os novos trabalhadores assalariados (a escravidão havia sido oficialmente extinta em 1888) e viabilizar a industrialização, o governo pôs em prática uma política de incentivo à emissão de papel moeda.

            O efeito direto destas medidas foi a desvalorização do mil réis, seguida por um surto inflacionário, provocado pela injeção excessiva de dinheiro na economia. A desvalorização da moeda brasileira levou ao fechamento de muitas empresas e à falência de tantos outros investidores. A facilidade de créditos sem a devida fiscalização permitiu que os recursos fossem investidos em outro fim que não aquele para o qual haviam sido aprovados. No mercado de ações, a intensa especulação marcou o período.

            Após as atribulações iniciais, o novo regime se consolidou. Os primeiros presidentes militares, Marechal Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, enfrentaram alguns focos de resistência, além da turbulência política e econômica. Com a “política dos governadores” de Campos Sales (1898-1902) e o funding loan (1898), a República Velha entra em uma fase de estabilidade. As relações sociais aburguesavam-se. A monarquia tornava-se coisa do passado e o País finalmente estava trilhando o caminho certo para equiparar-se às grandes nações civilizadas da Europa e aos Estados Unidos. Pelo menos, era nisso que a elite da época acreditava.

             A República era identificada com um projeto de modernização do País: rejeitava-se tudo que era relacionado ao regime anterior como sendo arcaico e retrógrado. O Rio de Janeiro era o centro da nova ordem econômica e política: a capital era o maior núcleo da rede ferroviária nacional, ligando-se ao centro produtor de café do Oeste Paulista e outros importantes estados fornecedores de produtos agropecuários, além de manter o comércio de cabotagem com os estados do Norte e Nordeste.  

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            Em “Literatura como Missão”, Nicolau Sevcenko descreve o ambiente efervescente da capital, que passava por um processo de remodelagem urbana e social. Era preciso varrer para longe das vistas tudo o que fosse feio, velho, sujo e pobre. Grandes avenidas, edificações e monumentos foram erguidos. Os moradores dos cortiços eram escorraçados para a periferia. O Rio de Janeiro deveria se modernizar a qualquer custo, seguindo o modelo de Paris. A Campanha da Regeneração da cidade, levada à frente pelo prefeito Pereira Passos, e a campanha de vacinação de Oswaldo Cruz, que resultou na Revolta da Vacina (1904), mostram bem a essência deste novo projeto civilizador.

            Os novos donos do poder queriam deixar suas marcas na cidade, destruindo tudo que lembrasse a cultura popular e os hábitos considerados antiquados. A campanha para tornar a cidade mais civilizada chegou a excessos que beiram o absurdo, como a criação de uma lei que obrigava os cidadãos a usar paletó e a vestir sapatos para circular pela região central da cidade. Quem fosse pego descalço ou “em mangas-de-camisa” poderia ser preso, o que, de fato, chegou a ocorrer, já que o projeto passou em segunda discussão no Conselho Municipal.

            O consumismo, segundo o historiador, tornou-se parte do cotidiano das camadas mais abastadas, para as quais era fundamental adquirir as últimas novidades vindas da Europa. No início do século XX, a moda era uma obsessão entre a elite carioca. Todos sonhavam em ser chic ou smart, ou seja, desfilar com as vestimentas e os acessórios da última moda. As colunas sociais começavam a ditar as normas de vestuário e de comportamento para a mais fina sociedade. A Rua do Ouvidor era o maior centro do comércio sofisticado, oferecendo os artigos importados mais cobiçados. Logo, as tradicionais sobrecasaca e cartola pretas, símbolos da sociedade patriarcal e aristocrática do Império, foram substituídas pelo paletó de casimira clara e o chapéu de palha.

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            A mentalidade que dominava certas parcelas da população na época caracterizava-se pelo “desejo de ser estrangeiro”.  O gosto do brasileiro deveria ser melhorado tendo como modelo a Europa, portanto, tudo o que fosse tipicamente brasileiro e popular era considerado de mau gosto. Até o Carnaval deveria deixar de lado as fantasias de índio e de cobra viva, para ser povoado por pierrôs, colombinas e arlequins. De acordo com Sevcenko, a moda foi a única tentativa de aprimoramento dos hábitos sociais do brasileiro que realmente foi consolidada com sucesso. Para o historiador, isto é explicado pela formação de um mercado de tecidos, roupas e acessórios na Belle Époque, que se baseava no aproveitamento dos estoques europeus no fim das estações para os consumidores do hemisfério sul.

            É bastante característica destas primeiras décadas do século passado a figura do dândi, apesar de este personagem já estar presente na sociedade europeia desde o século XVIII. George Brummell, D’Orsay, Charles Baudelaire, Oscar Wilde, Robert de Montesquiou, Marcel Proust e Christian Dior foram alguns dos mais conhecidos representantes do dandismo da História. De maneira geral, seus representantes ficaram conhecidos como homens que se preocupavam com a aparência e não tinham pudores em demonstrá-lo, vestiam-se com apuro e lançavam moda. Nesse sentido, talvez possam ser considerados os antepassados dos atuais metrossexuais.

            No Brasil, o mais famoso dândi foi Alberto Santos Dumont (1873 – 1932). O pai da aviação foi um refinado homem de sociedade. Com a herança deixada pelo pai, Henrique Dumont, ele pôde construir balões e aviões, e também teve condições de preocupar-se em se vestir com esmero, sendo um assíduo frequentador das festas e eventos sociais da alta sociedade parisiense. Ousado, participava de corridas de automóveis e vivia cercado por amigos e admiradores. O inventor estava sempre impecavelmente trajado, mesmo quando trabalhava com motores ou madeira. Seu guarda-roupa era formado por ternos riscas-de-giz, camisas de colarinho alto e engomado, sapatos com salto (artifícios para parecer mais alto) e chapéu com a aba abaixada. O estilo de Santos Dumont era um exemplo perfeito do que estava em voga na Belle Époque, na capital francesa.

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            O brasileiro ajudou ainda na criação de um acessório que se tornaria popular até os dias de hoje. Conta-se que em uma recepção no restaurante Maxim’s, em 1904, comentou com o amigo Louis Cartier que, em pleno vôo, era difícil pegar o relógio para cronometrar o tempo. Cartier mandou fazer um protótipo que pudesse ser usado no pulso e o batizou de “modelo Santos”. O apetrecho não foi, entretanto, uma inovação absoluta do inventor, já que algumas mulheres já usavam o relógio no pulso, mas sem sentido prático, apenas como se fosse uma joia.

            Provavelmente, o acessório de moda que mais nos faz lembrar Santos Dumont é o chapéu-panamá, que teve seu apogeu no início do século passado. O artigo era produzido no Equador, mas acredita-se que recebeu este nome porque o presidente estadunidense Theodore Roosevelt usou-o durante uma visita ao Canal do Panamá, em 1906. Os panamás originais eram tecidos com palha muito fina (Carludovica palmata), colhida e remetida para centros de tecelagem. O processo de fabricação é composto por uma série de etapas e última delas é a colocação da fita preta ao redor da copa. Santos Dumont usava o seu desabado e de lado, sendo um dos pioneiros a circular por Paris com o modelo. 

            Apesar do nosso mais famoso dândi ter conseguido fama e reconhecimento, Alberto Santos Dumont suicidou-se em 23 de julho de 1932, no banheiro do Grand Hôtel de La Plage, no Guarujá, litoral paulista. Há controvérsias sobre o material utilizado como corda: o cinto do roupão ou uma gravata. Tinha apenas 59 anos e acredita-se que sofria de depressão crônica. – Márcia Pinna Raspanti

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Santos Dumont, usando um chapéu Panamá, e a rua do Ouvidor, um grande centro de compras.

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