A obsessão pela beleza e a busca pelos padrões ideais

          A despeito da presença de mulheres nas raias das piscinas ou nas quadras de tênis dos clubes privados, no início do século passado, o mundo onde, de fato, elas estavam presentes era o da casa. Sua vida doméstica ganhava, contudo, valores de consumo nunca antes vistos no Brasil. Certos produtos de beleza começavam a ser industrializados. Quem podia, cedia aos encantos do produto importado. Guerlain e Coty eram as marcas mais procuradas. Pequenas oficinas domésticas produziam cremes e pós para o rosto, perfumes, produtos para os olhos e maquiagem em geral, vendidos de porta em porta para consumidoras de camadas médias. O pó de arroz “contra o qual antigamente alguns pais de família se insurgiam, é o único auxílio de que lançamos mãos, mais ainda como um complemento de toilette que o uso torna indispensável […] não só atenua o luzido da pele afogueada por uma temperatura quase sempre alta, como também suaviza, refresca e, aromatiza”, – ensinava Julia Lopes de Almeida. Ele seria “o véu benévolo para os rostos de quarenta anos”. Proibido, porém, para donzelas.

            No interior, pior… Pintura no rosto era coisa de mulher dama, conta Gilberto Amado:

            “Por que cara de mulher pintada me excitava mais do que cara sem pintura! É que era pecado, chocava a minha moral, que era “sã”. O turvo prestígio que sobre a criança e o adolescente exerce o “pecado”, ou o que e considera pecado, é responsável por isso. Em Itaporanga, nos dias de feira, para fazer suas compras semanais nos cargueiros já conhecidos que arriavam seus caçuás em nossa calçada, minha mãe vinha para a porta da casa acompanhada por nós crianças e pelos criados. A certa hora dizia, com um ar triste, mas alto: “Meninos, para dentro!” Ela própria entrava a correr e as criadas começavam a fechar as janelas. Eu ficava espiando como podia. Eram as mulheres-damas que passavam em fila, a caminho da feira, de charuto na mão ou na boca, rosa-palmeirão nos cabelos, esteira debaixo do braço, pintadas de fazer medo. Maria Jeroma, a mais impressionante, recorta-se no fundo da minha infância com algo de sobrenatural, como a expressão do “mal”. Muitas das moças de Pernambuco se pintavam como Maria Jeroma: demais. Daí a sua atração para o adolescente que chegara de Itaporanga. Nas famílias “direitas” a pintura era discreta; só na gente falada, na interessante, que atraía a atenção, é o que o rouge dominava em tons ticianescos”.

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          Além da maquilagem, a moda também se desenvolvia. As lojas de luxo importavam vestidos e moldes. Algumas chegavam mesmo a oferecer os serviços dos ateliês de costura para consertos e ajustes, ou ainda para fazer roupas íntimas. Costureiras e chapeleiras de origem estrangeira se instalavam com suas lojas. Vitrines e manequins enfeitavam grandes lojas como o Mappin Stores de São Paulo, cujos produtos eram também vendidos por meio de catálogos, de encomendas por telefone e correio e de serviço de entregas. Não faltavam as clientes que vinham do interior, comprar nas capitais como a mãe de Érico Veríssimo:

Minha mãe foi uma mulher bonita quando moça e tinha a dignidade das mães de família de sua época. Seus cabelos eram castanhos, olhos da mesma cor e tez clara. Vestia-se bem. Quando meu pai ia a São Paulo efetuar compras anualmente, ela o acompanhava e refazia seu guarda roupa. Vaidosa como toda mulher, sabia apresentar-se. Talvez a mulher que melhor se vestia na vila”.

        Anúncios em francês visavam atrair a clientela mais sofisticada, apregoando robes d’aprés midi et de soirées – vestidos sociais e de gala. A inovação de saldos e liquidações permitia às camadas urbanas médias adotarem roupa de gente rica. Mais do que consumir, com os olhos ou a bolsa, os milhares de novos produtos expostos em vitrines, anúncios públicos e revistas femininas, as mulheres imbuíam-se, lentamente, de uma nova preocupação: a apresentação física, que as introduzia na vida urbana de maneira conveniente. A palavra de ordem, portanto, tornou-se beleza! A feiura devia ser banida.

moda anos 20

Publicações dirigidas ao público feminino sobre moda e beleza

 

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O olhar masculino não perdoava, como se vê através do de Veríssimo: “Costumávamos dar alcunhas nem sempre lisonjeiras às moças da cidade. “Viste a Gazela Desengonçada?”- “Lá vem vindo o Presunto da Colônia” – “Faz tempo que não vejo a Baixinha de Olho de Peixe”. Como uma das beldades locais tivesse cortado o cabelo à la garçonne e andasse com o pescoço raspado a navalha, passamos a chamá-la “Mlle. Cou Rasé”.

A preocupação de ser bela não era novidade. Mas, aqui, a percepção da beleza feminina transformava-se em algo mais palpável. Os concursos de beleza, recém-inventados, chancelavam essa preocupação, ao lado de centenas de imagens femininas que invadiam a imprensa, como “conselheiras de beleza”. Todo tipo de melhora devia ser estimulado. O misto de beleza e elegância, antes apanágio do romantismo, começava a ceder às formas de exibição do corpo feminino. O discurso higienista, tão ativo entre os anos 1920 e 1930, estimulava a vida das mulheres, menos cobertas e mais fortificadas, ao ar livre. O hábito dos esportes, a fundação de clubes, a ênfase na dança, estimulada pela recém-inventada indústria fonográfica, instigava a exposição dos corpos. Instalou-se a busca da aparência sã. A medicina passava a sublinhar a importância de exercícios e vida saudável para preservar, não somente a saúde, mas a frescura da tez, a pele saudável, o corpo firme e jovem. Acreditava-se que os defeitos físicos poderiam ser corrigidos, não à custa de toneladas de maquiagem ou qualquer outro artifício, mas por outros meios salutares, como a vida higiênica, disciplinada e moderada.

  • “Histórias da Gente Brasileira: República 1889-1950 (vol.3), de Mary del Priore. Editora LeYa, 2017.
Moda na Década de 20

O exercício se torna sinônimo de saúde e beleza. Imagens: “A Moda da Década de 20”, Publifolha

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  1. Maria José Caldas

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