As vítimas do amor

Há séculos, o chamado amor romântico, nascido com os trovadores medievais, fundou a ideia de uma união mística entre os amantes. A idealização temporária, típica do amor-paixão, se juntou ao apego mais duradouro do objeto de amor. O amor romântico que começa a exercer sua influência a partir de meados do século XIX, se inspirou de ideais deste tipo e incorporou elementos do amor-paixão. Não foi à toa, lembram especialistas, que o nascimento do amor romântico coincide com a aparição do romance: ambos têm em comum uma nova forma de narrativa. Aquela em que duas pessoas são a alma da história, sem referência a processos sociais que existam em torno delas.

Na base da concepção de amor romântico, associava-se pela primeira vez amor e liberdade como coisas desejáveis. O leitor há de lembrar que os trovadores cantavam também as possibilidades de libertação do amor-paixão, do amor louco; mas só  no sentido de que ele quebrava as rotinas, invertia os deveres. Já as ideias contidas no amor romântico, ao contrário, apontam os laços entre a liberdade e a realização pessoal. Esta mudança se instala, junto com outras: a modernização e a urbanização do país. A reorganização das atividades cotidianas ocasionou uma reorganização profunda da vida emocional que ainda está por ser estudada. Ambas, contudo, ajudaram a sepultar, devagarzinho, antigas tradições referentes à escolha dos pares e às formas de dizer o amor.

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Mas por trás do conceito libertador, os sociólogos revelam que hoje, se acumulam as vítimas, os perdedores. A liberdade amorosa tem contrapartidas: a responsabilidade e a solidão. E exatamente porque se colhem os frutos desta última, compreende-se, hoje, melhor que o passado não foi só feito de trevas. A tradição não é apenas, como querem seus críticos, opressiva, sufocante e despótica. Ela funciona como uma barreira útil para a comunidade; através dela se entende que a família, a criança e a procriação funcionem e se perpetuem como fonte de profunda emoção.

O resultado desta longa caminhada? Especialistas afirmam que hoje queremos tudo ao mesmo tempo: o amor, a segurança, a fidelidade absoluta, a monogamia e as vertigens da liberdade. Fundado exclusivamente no sentimento que sobrou do amor romântico, o sentimento mais frágil que existe, o casal está condenado à brevidade, à crise. Mais. A liberdade sexual é um fardo, para os mais jovens. Muitos deles têm nostalgia da velha linguagem do amor, feita de prudência, sabedoria e melancolia, tal como viveram seus avós. Hoje, a loucura é desejar um amor permanente, com toda a intensidade, sem nuvens ou tempestades. Numa sociedade de consumo, o amor está supervalorizado. O sexo tornou-se uma nova teologia. Só se fala nisso, e se fala mal, com vulgaridade. Sabemos, depois de tudo, que o amor não é ideal, que ele traz consigo a dependência, a rejeição, a servidão, o sacrifício e a transfiguração.  Resumindo: existe um grande contraste entre o discurso sobre o amor e a realidade de vida dos amantes. O resultado? Escreve-se cada vez mais sobre a banalização da sexualidade e o desencantamento dos corações, enquanto o amor segue como uma coisa sutil e importante que continua a fazer sonhar, e muito, homens e mulheres.

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– Mary del Priore.

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Trovadores: a união mística dos amantes. 

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