AS BENZEDEIRAS: CULTURA E RELIGIOSIDADE

Por Natania Nogueira.

Quando eu criança minha mãe sempre estava levando a mim e a meu irmão para “rezar”.  Era sempre a casa de uma senhora, geralmente idosa, que segurava um galho de arruda e fazia uma oração que eu não conseguia acompanhar, colocando a mão sobre a minha cabeça. Frequentar benzedeiras foi parte da minha infância e quando adulta eu mesma tomei algumas vezes a iniciativa de procurar.

Não custa prevenir, né?

Confidencias à parte, já há algum tempo venho voltando meu olhar para a prática das benzedeiras, buscando nessas práticas elementos da nossa cultura. Se falamos de registro e tombamento, de preservação de lugares que guardam memórias, muitas vezes esquecemos que pessoas podem ser consideradas também um patrimônio cultural, especialmente quando elas se tornam depositórios de um saber, passado de geração para geração.

Em muitas comunidades a tradição das benzedeiras possui ainda um grande prestígio. Se soubermos onde procurar, vamos encontrá-las até em grandes metrópoles como São Paulo. Seus instrumentos de trabalho são folhas e ervas medicinais, imagens de santos, rosários, oratórios e, claro, a palavra.  Há séculos, essas curandeiras combatem os males do espírito e da carne, com orações e remédios caseiros.Espinhela caída, carne quebrada, cobreiro, quebranto, mau-olhado, doenças nervosas e encosto. Elas têm a solução para tudo isso.

Na ausência dos médicos e boticários, a benzeção foi a saída (e é até hoje), para muitas comunidades brasileiras, cuja precariedade de recursos fortalece os saberes populares e a tradição. No Brasil, é quase impossível de dissociar muitas delas de práticas religiosas. Essa tradição de cura através de rezas, banhos, chás e efusões, sobrevive há séculos e representa muito bem o sincretismo religioso que caracteriza muitas das práticas culturais do povo brasileiro.

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É, acima de tudo, uma herança familiar. Uma benzedeira aprende o arte da “reza” com a mãe ou com a avó. Há benzedeiras que começam bem cedo, aos 15 anos de idade, outras um pouco mais tarde. Homens também exercem esse ofício, mas esse tipo de curandeirismo é tipicamente feminino. E é gratuito. Uma rezadeira não pode cobrar pelos seus serviço. É uma missão, uma doação.

Mas como toda tradição cultural, ela sobrevive graças à memória. Essas mulheres, em outros casos homens, são um receptáculo vivo de tradições que não pode ser perdido. O resgate das suas história de vida, do seu conhecimento prático é parte da formação da identidade brasileira e passível de registro. Identificá-las e contar suas histórias é uma forma de preservação que pode ser realizada sem maiores custos. Entrevistas, filmagens e fotografias. Eis aí uma ótima sugestão para se trabalhar com educação patrimonial, principalmente nas cidades do interior.

 Algumas curiosidades:

 

Quebranto

Também conhecido como mal olhado. Provoca moleza em crianças, sono e irritação “Com dois puseram, com três eu tiro. Com as três pessoas da Santíssima Trindade, que tira quebranto e mau-olhado, pras ondas do mar, pra nunca mais voltar”

 Espinhela caída

Dor na região do tórax, associada à debilidade física “Barquinho de Santa Maria navega no mar sem emborcar. Levanta a sua espinhela, põe tudo no seu lugar”

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 Carne quebrada

Dor muscular provocada por ferimentos internos “O que é que eu cosi? Assim mesmo eu coso, osso rendido, nervo magoado, veia sentida, carne quebrada. Assim mesmo eu coso, em louvor a São Frutuoso” A reza é feita enquanto se costura um pedaço de pano com agulha e linha.

Erisipela

Doença infecciosa, que provoca inflamação da pele “Ezipa, erisipela, deu no tutano. Do tutano deu no osso, do osso deu na carne, da carne deu na pele, da pele vai pras ondas do mar sagrado, com o poder de Deus e da Virgem Maria”

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Disponível em: http://recantodruida.blogspot.com.br/p/as-rezas-e-as-benzeduras.html, acesso em 12 de nov. de 2014.

4 Comentários

  1. Agenor Nunes dos santos
  2. José Ventura

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