Animais que amamos: cães e gatos

Qualquer um de nós que habitualmente faça exercícios físicos nos parques conhece dois grupos de frequentadores que dividem conosco o prazer do sol de inverno: os que se dedicam aos gatos e os que se dedicam aos cachorros. Cruzo, diariamente, com uma senhora que conversa com o seu “Alfredo, querido”, que ouve, com paciência, queixas sobre netos ausentes ou sobre os efeitos de um milagroso diurético! Outras senhoras alimentam, com cuidados maternos, gatos vira-latas. Os bichos parecem estar ali para nos lembrar que, se ao longo de milhares de anos, eles puderam viver sem os homens, nós, ao contrário, não pudemos viver sem eles, de quem fomos em muitos casos vítimas.

“O gato — brinca o antropólogo Marcel Mauss — foi o único animal que domesticou o homem.” Brinca por saber que o felino permanece como uma espécie de “prisioneiro selvagem”. Animal filosófico, tranquilo, independente, senhor de seus hábitos, pode tornar-se um amigo, nunca um escravo. Sua história é tão enigmática quanto sua imagem. Seu ancestral tinha entre 8 e 18 quilos. E quase um metro de comprimento.

Seus primeiros retratos aparecem nos sarcófagos e pirâmides egípcias. Visto como enviado dos deuses pela proteção que dava às crianças e aos alimentos da casa, lutando contra cobras e ratos, tinha tanta importância entre egípcios que, se um gato morresse, toda a família ficaria enlutada, raspando as sobrancelhas em sinal de dor. Em caso de incêndio, salvava-se, primeiro, o totêmico bichano. Se alguém, de propósito ou sem querer, matasse um deles, era passível de condenação à morte por apedrejamento. No mundo muçulmano, Maomé tinha uma gata — a bela Buezza —, e os felinos eram identificados com a lua que brilha sobre os desertos e os djins, espíritos aéreos.

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Por outro lado, as tradições indo-europeias preferiram transmitir a imagem do selvagem predador, preguiçoso durante o dia para melhor viver à noite. Noite identificada, no imaginário de nossos antepassados, com os demônios, vampiros e feiticeiras. Compreende-se que o cristianismo, vitorioso no mundo ocidental, tenha desenvolvido uma viva desconfiança em relação a um animal vindo das sombras do mundo pagão, habitado pela luxúria tentadora das filhas de Eva, donas, como os gatos, de uma pelugem afrodisíaca, capaz de fazer sucumbir o homem, representado pelo honesto

O cachorro, por sua vez, depende da ação humana… e por isso desempenha tantas e tão diversificadas funções: late à noite, vigia residências, fareja drogas, guia cegos, busca o jornal, faz anúncios para a televisão e, é bom não esquecer, foi pioneiro nas viagens espaciais. É graças a essa formidável colaboração que marcou tanto nossa vida e nosso vocabulário: “fiel como um cão”, “cão que ladra não morde”, “cachorro bom de tatu, morre de cobra”.

Sua personalidade e seu psiquismo variam ao infinito, às vezes tão sutil quanto o do seu dono, pois “tal dono, tal cão”. Hoje herói de cinema, multiplica-se em Rintintins, Milous, Snoopys e Plutos, deixando para trás a imagem de lutadores aguerridos que enfrentavam, nas arenas romanas, ursos e leões ou, nas feiras medievais, touros e bois bravos. Pinturas na Espanha comprovam que sua domesticação teria ocorrido há cerca de 10 mil anos. Escavações arqueológicas revelam que eram enterrados junto com seus donos e, entre o Egito e a Grécia, os cultos ao deus Chacal e a Argos — o cão de Ulisses — comprovam a fecundidade das representações sobre a ligação homem/cão.

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Mas ele também inspira sentimentos contraditórios. Isso porque nossa sociedade vem dando um lugar especial aos animais domésticos. Muitas vezes ter cachorro ou gato pode, também, funcionar como derivativo para a solidão e a insegurança. A necessidade de autoridade, de dominação, de apropriação, bem como a angústia, a agressividade, a riqueza de uma vida excessivamente interiorizada ou a timidez e dificuldade de comunicação, as frustrações afetivas ou sexuais de um casal desunido, separado ou sem crianças, a velhice em que as pessoas se sentem abandonadas pelos filhos, o narcisismo, mas também as tensões sociais e profissionais, todas essas motivações geradoras de desequilíbrio podem levar à aquisição de um cachorro, responsabilizado em alguns casos por comportamentos antissociais.

As prefeituras, por sua vez, têm de enfrentar consideráveis tarefas de limpeza. Em Paris, provavelmente cidade recordista, são 2 mil toneladas de caca e urina por dia! Nova York radicalizou: os americanos não podem circular sem estar munidos de sacos para recolher os dejetos do melhor amigo, cujas infrações, aliás, montam a US$ 100. Nas nossas grandes cidades, a iniciativa fica por conta de associações de bairros ou de proprietários mais zelosos com o bem comum. A verdade é que, a despeito dos inconvenientes, das despesas, da irritação crescente da coletividade pela falta de campanhas publicitárias que eduquem donos, cães e gatos seguem se multiplicando. – Mary del Priore.

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