A redução da maioridade penal e as leis “para inglês ver”

 

         No Brasil, já estamos acostumados a leis que não têm efeito prático, ou por serem mal feitas, tornando-as inaplicáveis, ou simplesmente, porque não há fiscalização efetiva de seu cumprimento. Há leis que “pegam” e outras que “não pegam”, como dizemos. Os legisladores brasileiros, no entanto, sabem que acreditamos nos poderes quase “mágicos” da legislação e costumam aprovar, com estardalhaço, regras inócuas e demagógicas, apenas para dar uma satisfação ilusória aos eleitores. Um bom exemplo é a redução da maioridade penal, uma medida mal elaborada, que não se preocupa em atuar nas causas do problema. Aprova-se a lei, mas não se garante os meios de sua aplicação, por incompetência ou propositalmente. São “leis para inglês ver”, como se dizia antigamente.

         Hoje, movidos pelo medo da violência sem limites, os brasileiros exigem soluções do poder público, que responde da maneira mais rasa possível, criando uma nova legislação às pressas. Vários aspectos práticos ficaram “esquecidos”, como os locais em que esses menores ficarão encarcerados, afinal o sistema prisional está superlotado. Não se pensou em medidas preventivas que dificultem o ingresso dos jovens no mundo do crime, nem houve nenhuma preocupação com a ressocialização dos infratores. Enfim, mais uma medida puramente demagógica que está sendo comemorada por muita gente.

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      A situação, porém, é antiga: na História do Brasil não faltam exemplos de leis que não foram cumpridas ou que tiveram resultados desastrosos. No processo para coibir o comércio de escravos, no século XIX, ocorreu o episódio que deu origem à expressão já citada. Na época, a Inglaterra começou a pressionar, primeiramente, Portugal, e depois, o Brasil independente, para que se acabasse com a escravidão, devido às transformações econômicas que marcaram o período. Em 1831, para dar uma resposta aos ingleses, foi promulgada a Lei Feijó, que proibia o tráfico de escravos.

        A lei foi ignorada pelos traficantes, e logo se percebeu que ela havia sido criada apenas para “inglês ver”. A economia brasileira dependia totalmente da mão de obra cativa: o café se tornava a grande riqueza do país, e os produtores não queriam abrir mão de seus trabalhadores. Outras leis semelhantes foram aprovadas, sem que tivessem nenhuma eficácia. A Inglaterra percebeu a “esperteza” do Brasil e, em 1845, aprovou o ato conhecido como Bill Aberdeen, que permitia aos navios ingleses abordarem e apreenderem as embarcações brasileiras que estivessem levando escravos da África para o Brasil. E eles, ao contrário de nós, fizeram valer a nova regra.

       O cerco se fechava em torno da escravidão. Mesmo com a resistência feroz dos proprietários de terra, foi assinada a Lei Eusébio de Queirós, em 1850, que acabava com o tráfico. Desta vez, a regra foi cumprida e, depois de algumas outras medidas no mesmo sentido, em maio de 1888, a princesa Isabel assinava a Lei Áurea, que punha fim à escravidão no Brasil. Os grandes proprietários não perdoaram a “traição” do regime monárquico e retiraram seu apoio ao imperador D. Pedro II, que perderia o trono no ano seguinte.

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      A Lei Áurea, contudo, não se preocupou em criar mecanismos para inserir os ex-escravos na sociedade brasileira, condenando boa parte deles à miséria e à exclusão. Os imigrantes europeus foram considerados a melhor solução para o problema de mão de obra que existia. Os negros eram vistos como preguiçosos e inferiores, enquanto os europeus seriam trabalhadores e confiáveis. Na mentalidade racista da época, o caminho seria banir para sempre os vestígios da presença africana no país, em um processo de “branqueamento” do Brasil. O resultado dessa política nos persegue até hoje…

       Se aprendêssemos com a História, não nos deixaríamos enganar por leis vazias e demagógicas, que apenas mascaram nossos verdadeiros problemas. Até quando continuaremos acreditando nas leis “para inglês ver”?

Texto de Márcia Pinna Raspanti.

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Criança negra, século XIX. Acervo do Instituto Moreira Salles.

2 Comentários

  1. Lucia

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