Os relatos dos viajantes estrangeiros trazem informações interessantes sobre a sociedade dos tempos coloniais. Alguns comentários sobre o comportamento das brasileiras feitos por estes visitantes mostram que a imagem das mulheres locais era bem negativa. Com moralismo, olhos atentos e uma boa dose de preconceito, os europeus nos contam um pouco da vida das mulheres de antigamente.
Além de mal vestidas e exageradas, as brasileiras eram consideradas “livres” (o que era um grave defeito, na época), vaidosas em excesso, fúteis, volúveis, lascivas, oferecidas e fáceis. A francesa Rose Freycinet observou que as brasileiras iam às festas religiosas e igrejas “decotadas e muito enfeitadas, como se estivessem num baile, tratando mais de se divertirem do que de rezar a Deus”, alfinetou, antes de elogiar a beleza destas “morenas atraentes”.
Os viajantes estranhavam que as “portuguesas do Brasil” só saíssem às ruas para ir às missas ou eventos religiosos, e fossem sempre mantidas longe dos olhares de estranhos. Mesmo assim, confinadas e vigiadas, estes “ardilosos seres” encontravam mil maneiras de enganar maridos, pais e irmãos ciumentos – sempre para manter amizades escusas, preferencialmente com os estrangeiros. O francês M. De La Flotte, em 1757, contou que apesar de todas as precauções, não há cidade no mundo (no caso, o Rio de Janeiro) “onde as mulheres sejam mais livres”. Elas se escondiam atrás dos véus e roupas escuras: ” é impossível distingui-las umas das outras. Assim, uma mulher, sob pretexto de ir à igreja, pode tranquilamente dirigir-se a um encontro amoroso”.
Havia um costume, bastante simpático por sinal, de se jogar flores nos visitantes ou oferecer-lhes ramalhetes. O que poderia ser visto como um gesto singelo de boas vindas, muitas vezes era encarado como pura safadeza. James Cook, em sua primeira viagem ao Brasil em 1768, fora alertado que não havia sequer “uma única mulher honesta na cidade (Rio de Janeiro)”, informação que ele considerou generalizante. Um companheiro de navegação, porém, afirmou que não havia muito o que se elogiar nas mulheres locais, em termos de castidade. Sobre o ato de jogar flores nos visitantes, Cook prefere ficar em cima do muro “não vou me estender sobre este assunto, contento-me em dizer que é prática constante”, esquivou-se.
George L. Stauton, em 1792, não foi tão elegante. Ele afirmou que o dito costume das flores devia ser inocente nos tempos de outrora. “Nos dias que correm, contudo, é necessário confessar que a solicitude de muitas delas (mulheres brasileiras) salta aos olhos”. Juan Francisco Aguirre, que esteve no Rio de Janeiro em 1782, afirmou que a cidade ocupava o primeiro lugar no mundo em termos de libertinagem. “Pouco depois de amanhecer, veem-se muitas mulheres que, a pretexto de fazerem compras nas lojas e cuidarem dos seus haveres, perambulam pelas ruas convidando à perversão”. Já o poeta Evariste-Desiré Parny, que visitou a colônia em 1773, ficou encantado com a beleza “simples” das morenas brasileiras e “seus grandes e voluptuosos olhos, negros (que) revelam um caráter naturalmente inclinado para o amor”.
Enfim, a mulheres daqueles tempos, em especial as fidalgas, sempre tão vigiadas e escondidas, intrigavam os visitantes estrangeiros e estimulavam sua imaginação e curiosidade. Até o fato de elas estarem sempre cobertas por capas e lenços, causava desconfiança nos europeus. Pelo que sabemos, as brasileiras da época não podiam ser rotuladas como libertinas, nem como santas: eram apenas mulheres, reprimidas por uma sociedade patriarcal e opressora, lidando, cada uma a seu modo, com o difícil cotidiano.
– Márcia Pinna Raspanti
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