Mulheres leitoras no Brasil do século XIX

    Sabe-se que mesmo no século XIX, a precariedade dos centros educativos, a instrução primária de curta duração e má qualidade e o estado de ignorância em que as mulheres eram mantidas foram alvo de críticas de viajantes estrangeiros, vindos de países onde a diferença de educação entre os gêneros quase não mais existia. A ênfase na vida doméstica e o escravismo só faziam agravar o ritmo lento e pouco imaginativo no qual se desenrolava a vida das senhoras no Brasil. John Mawe, por exemplo, nelas acusava a falta de educação e de recursos de espírito além dos conhecimentos superficiais. Segundo o mesmo observador, ocupavam-se de trabalhos leves que nada tinham a ver com o que se aprendia na escola. Ao contrário, a instrução poderia colocar em risco o esquema de controle sobre esposas e filhas cujo apetite intelectual deixava a desejar; não deveriam dedicar-se à leitura, nem precisavam escrever porque “poderiam fazer mau uso da arte”. Lindley tampouco as via ler: “poucas mulheres podem ler”, anotava, taxativo.

      Elizabeth Agassiz, confirmou que no Norte Amazônico, elas deixavam escoar uma existência fanada, “sem livros, nem cultura de qualquer espécie”. Um naturalista americano, Herbert H. Smith, anotou que na segunda metade do século Dezenove, pais sensatos reclamavam da falta de educação de suas filhas.  É muito provável elas que não tivessem um padrão de educação ideal, tal como já existia na Europa ou nos Estados Unidos, com múltiplas disciplinas e sem diferenças quanto à educação que era dada aos homens. Mas nada, contudo, as impedia de saber ler. De passagem por Recife, o francês Tollenare observou que os preconceitos sobre a educação feminina começavam a diminuir. Abertas para as influências europeias – leiam-se, as modas e os modismos – as jovens educadas por freiras não se contentavam mais em aprender só “a costurar e a ler”.

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     No Rio de Janeiro, livros eram oferecidos em lojas nas quais também, comerciava-se toda a sorte de quinquilharias: cartas de jogar, cera da Índia, tinta de escrever, estampas e desenhos, lustres, encerados e tapetes, vidros da Boêmia, imagens sacras e móveis europeus. Eram livros de pintura, de viagens, atlas, dicionários históricos, geográficos e mitológicos junto com xailes, leques e objetos de prata. É de se imaginar que as compradoras de tais artigos tão femininos, acabassem por manuseá-los. O número 13 da Gazeta do Rio de Janeiro anunciava por sua vez um produto irresistível: leitoras interessadas em conhecimento – conta-nos a viajante – com diversos autores portugueses e Dona Carlota, que lê admiravelmente bem, fez-me o favor de ler alguns dos mais belos versos de Dinis e emprestar-me suas obras”. Referia-se a Antônio Dinís da Cruz e Silva.

      E com a imperatriz Dona Leopoldina, no dia dos anos de D. Pedro II, diz ter conversado “um bom pedaço […] sobre autores ingleses e especialmente acerca das novelas escocesas”. Embora possuidora de uma imensa biblioteca com obras de naturalistas e relatórios de viajantes, D. Teresa Cristina era mesmo ávida consumidora dos romances de José de Alencar. As mulheres da família imperial, liam e gostavam de livros. A jovem D. Francisca, em viagem à França em companhia de seu recém-esposo, o príncipe de Joinville, deliciando-se com as aventuras de D. Quixote, confessava à Baronesa de Langsdorff: “- Gosto muito de ler, a senhora vê? Em São Cristóvão eu lia também”. As novelas eram o grande sucesso, não apenas entre as mulheres da família imperial, mas entre outras leitoras.

  • Texto de Mary del Priore. “Histórias da Gente Brasileira: Império (vol.2)”, Editora LeYa, 2017.
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“Leitura”, de Oscar Pereira da Silva.

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