A abdicação do imperador

O clima agitado favorecia a proliferação de rumores, que eram explorados por ambos os grupos liberais. Nos dias subsequentes, apoiados pelos quartéis, deputados, em tom de desafio, exigiram uma solução pacífica do imperador. Sua resposta foi substituir os ministros portugueses, por brasileiros e, num segundo gesto, substituir os últimos por homens de sua confiança. Para a oposição, isso foi uma afronta. E no dia seguinte, uma aglomeração ocupou o Campo de Santana exigindo a partida de D. Pedro. “Tropa” e “povo”, segundo as palavras da época, julgaram-se soberanos e empurraram o governante supremo contra a parede.

Alertado, ele mandou expedir ordens para que os batalhões oferecessem resistência aos amotinados. D. Pedro não se dava conta, mas, começava a ficar sozinho. As tropas preferiram partir para o Campo de Santana onde parte do povo invadira o Arsenal e se armava com espingardas e pistolas. A meia-noite, o Batalhão do Imperador desertou. Em São Cristovão, ficou apenas a guarda de honra e alguns membros da artilharia ligeira que pediram licença a D. Pedro para se juntar aos sublevados. O Imperador passou a noite conferenciando com diplomatas da França e Inglaterra sobre os meios de retirar-se, sem riscos, do Brasil. Depois redigiu de próprio punho, sem pedir conselho a ninguém, o decreto da renúncia. No dia 7 de abril, às nove horas, recebeu uma deputação exigindo a deposição do ministério. Respondeu com a declaração de abdicação em favor do filho, D. Pedro II.

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O povo aplaudiu e gritou vivas quando, no Campo da Aclamação, ouviu o major Miguel Frias Vasconcellos ler o decreto. Não ouviu, porém, a frase que o Imperador endereçou ao major: “- Diga aos brasileiros que estimarei que sejam muito felizes”. Pasquins colados aos muros da cidade saudavam a partida anunciada no agora Campo do “fora!”: “da honra fui campo outrora/ muito que ver ainda tens/ tudo serei, mas agora/ sou campo do nós queremos? E campo do fora, fora!”.

Se o gesto da abdicação foi rápido, a ideia era antiga. Em 1827, em carta escrita com cuidadosa caligrafia em francês, o filósofo franco-suíço Benjamim Constant aconselhou D. Pedro a abdicar do trono do Brasil em favor de seu filho, deixando uma regência moderada governar durante sua menoridade. Segundo ele, o jovem imperador, representante da tirania se comparada com as repúblicas americanas, seria, então, saudado como o paladino da liberdade. Desde o primeiro semestre de 1829, o Imperador pensava em renunciar, caso a Assembleia não lhe desse licença para ir pleitear, junto a alguns soberanos europeus, a causa de sua filha, D. Maria II. O segundo casamento e a chegada da noiva atrasaram os planos. Desde a madrugada de 7 de abril, porém, já tinha se instalado junto com a esposa, a bordo do navio inglês Warspite. Ali passou seis dias efetivando os últimos preparativos da partida. Um deles foi espontâneo. O Imperador recorreu a Bonifácio em cujas mãos queria deixar seus filhos: as três meninas e o menino imperador.

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Na fórmula de nomeação para a tutoria foi elogioso, nomeando o “mui probo, honrado e patriótico cidadão José Bonifácio de Andrada e Silva, meu verdadeiro amigo”. Bonifácio exultava. Doravante poderia dizer: eu existo. Dizê-lo com voz deformada pela idade, por vezes, inaudível, mas insistente. Talvez pensasse que voltava às instancias de poder. Embora pesado, o cargo tinha enorme prestígio. Implicava em morar no palácio, ter acesso ao pequeno Imperador por cujo bem-estar, patrimônio e interesses, ele zelaria.

A carta de Vossa Majestade veio servir de pequeno lenitivo ao meu aflito coração, pois vejo que apesar de tudo V.M ainda confia na minha honra e pequenos talentos para cuidar na tutoria de Seu Augusto Filho”. Mesmo sem apoio das Regências ou da Câmara, “não deixarei um só momento de zelar sobre sua felicidade e aproveitamento, por todos os meios que me sejam possíveis, enquanto durar este sopro de vida que me anima”. E sempre fiel ao seu estilo de tratar o Imperador como um rapazola, enviou-lhe, uma carta onde o repreendia por ter confiado seus negócios ao corretor e negociante judeu José Buschental: “E quer fiar-se V. M. em um maroto, como tal reconhecido e amigo de seu maior inimigo? […] Pense no que faz e não vá entregar S.M nas mãos de um traste seus interesses pecuniários”.

  • “As vidas de José Bonifácio”, de Mary del Priore – Estação Brasil, 2019.
Em 7 de abril de 1831, D. Pedro apresentou a carta de abdicação

Em 7 de abril de 1831, D. Pedro apresentou a carta de abdicação

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