O CARNAVAL BRASILEIRO POR MEIO DOS QUADRINHOS DE ANGELO AGOSTINI

 Por Natania Nogueira.

Durante o Segundo Reinado, havia uma grande tolerância à imprensa. Jornais, livros e panfletos circulavam livremente, e até os cortejos carnavalescos contavam com carros alegóricos que representavam personagens importantes do Império; havia liberdade de caricatura. Essa liberdade de expressão abriu espaço para o surgimento de uma impressa crítica e dinâmica, em oposição aos tempos de censura e perseguição do período colonial. Nesta imprensa, iremos encontrar várias referências ao carnaval e vários artistas que procuram, através do desenho, expressar suas impressões sobre esta festa.

Um dos primeiros a retratar o carnaval brasileiro foi o desenhista ítalo-brasileiro Angelo Agostini (1843-1910). Nascido na Itália, chegou ao Brasil em 1850. Seu nome associa-se ao surgimento da caricatura em São Paulo, na revista Diabo Coxo (SP, 1864) e ao pioneirismo na produção de histórias em quadrinhos no país. Em 1869, publicou sua primeira historieta com personagem fixo, no periódico Vida Fluminense: As aventuras do Nhô Quim ou Impressões de uma Viagem à Corte. Mas foi em 1883 que surgiu seu maior sucesso nos quadrinhos, o Caipora, o primeiro personagem de história sem quadrinhos de longa duração publicada no Brasil.

Seu trabalho faz uma leitura dos usos e costumes da época em que viveu, leitura esta caracterizada pela ironia, principalmente frente às elites. Como um apreciador dos costumes do povo brasileiro, Agostini não poderia ignorar nossa maior festa popular, o Carnaval. Retratou em muitos de seus quadrinhos e caricaturas os carnavais do Rio de Janeiro, onde podemos identificar a diversidade cultural e social brasileira, que durante o festejo aflorava com maior densidade. Ele celebrava, em seu traço, a diferença, procurando tirar o povo da marginalidade ao qual era relegado pelas elites, mostrando que ele era, na verdade, o dono da festa.

Ver mais  Bailes, bailados, soirées e saraus: regras e diversão

Na década de 1880, na Revista Ilustrada, dedicou páginas duplas aos carnavais de 1881, 1882 e 1883 e 1884. Suas publicações eram voltadas para a classe média – a Revista Ilustrada, por exemplo, era semanal e tinha aproximadamente 4 mil assinantes -, que podia pagar pelos jornais e revistas. Utilizava uma linguagem mais simples e, por que não dizer, uma certa didática, possibilitando um diálogo mais amplo com o público.  O Brasil era um país de analfabetos onde cerca de 80% da população não sabia ler e escrever.

Em seus quadrinhos, Agostini fazia referência à hipocrisia da elite, que pertencia às Sociedades Carnavalescas. Durante o carnaval, os íntegros chefes de família que participavam dessas sociedades, colocavam prostitutas em carros alegóricos, a desfilar pelas ruas da cidade, enquanto que no restante do ano perseguiam e discriminavam – pelo menos em público, pois sabemos que muitos desses homens de bem eram frequentadores assíduos de bordéis – essas mulheres, consideradas má influência para as moças de família, criadas e educadas para serem mães e esposas exemplares.  Mas era carnaval, tempo de se esquecer de certos pudores, daí se permitir que mesmo as prostitutas tivessem um lugar de destaque. Os preconceitos não eram esquecidos, apenas convenientemente ignorados.

Angelo Agostini defendia um carnaval voltado para a família, por isso muitas vezes criticou o comportamento das prostitutas, que desfilavam nos carros alegóricos ou atraiam os homens para os bordéis. Mas ele fazia uma distinção entre elas. As prostitutas de luxo, ele as usava para de bochar dos senadores e deputados, que as sustentavam; já as prostitutas pobres, Agostini as acusava de falta de decoro e assumia uma postura higienista; as moças de família eram representadas como recatadas, tímidas e prendadas. Agostini condenava a hipocrisia da sociedade, que se tornamaisnítida nesta época do ano e deplorava a imoralidade carnavalesca. Não gostava tampouco das festas de rua, que envolviam populares, considerando-as de mau gosto e ofensivas à família e aos bons costumes.

Ver mais  ‘Não se democratiza o conhecimento falando empolado e discutindo teorias herméticas'

Moralista, gostava do carnaval, mas não gostava do entrudo. Censurava as liberdades tomadas pelos jovens durante a festa e a forma como as pessoas deixavam passar estes deslizes. Denunciava a depravação dos senhores de elite e não aceitava o comportamento despojado de pessoas de origem humilde, de prostitutas e cafetões, que lotavam bordéis em tempos de folia.

Pereira Passos foi responsável pela reforma urbana que mudou a cara da cidade do Rio de Janeiro, que de corte passou a capital federal após a proclamação da República. Ele estimulou práticas higienistas, retirou os pobres do centro da cidade, criou passeiospúblicos e não se esqueceu de criarnovasregraspara a maiorfestapopular do Rio de Janeiro: o carnaval. Os policiais foram instruídos a manter a ordem e a moral, impedindo a violência do carnaval. Havia até mesmo regras para o uso de máscaras. Tudo isso feito em nome do estímulo à participação da família na festa. Os entrudos entraram em decadência e foram substituídos por outras formas de carnaval de rua.

As representações que Agostini fez do carnaval, sejam elas por meio de quadrinhos ou de caricaturas, nos fornecem elementos para entender melhor esta festa popular, no Rio de Janeiro, do século XIX e no início do século XX. Mais do que isso, essas imagens abordam temas sociais e políticos importantes, além das reflexões e valores do autor e de seus leitores. São, por assim dizer, importantes documentos históricos, testemunhos de uma época. Essas imagens nos ajudam a entender parte do cotidiano desta que se tornaria a festa característica do Rio de Janeiro e do Brasil.

Ver mais  Machado de Assis na missa da Abolição da Escravatura: montagem ou realidade?

 

 

Quadrinhos de Angelo Agostini (1884) Fonte: Acervo particular de Gilberto Maringoni Oliveira.

Rua do Ouvidor (1884). No primeiro quadro, ele mostra o entrudo, onde a multidão acompanha a folia, abrindo mão dos pudores normalmente reprimidos. No quadro seguinte, satiriza, ao dizer que o “tempo” também quis participar, acabando com a festa. Compara os foliões aos soldados egípcios que foram engolidos pelo Mar Vermelho, quando tentavam impedir a travessia dos hebreus liderados por Moisés. Insinua que os foliões teriam sido castigados pelos céus, por seu descaso à moralidade.

Texto adaptado do artigo: Do Império à República: o carnaval visto por meio dos quadrinhos (1869 – 1910). Disponível em: http://www.historiaimagem.com.br/edicao6abril2008/04-carnaval-imagem-hist%F3ria.pdf.

RI no. 373 29.02.1884 carnaval (1)

SUGESTÕES DE LEITURA:

BALABAN, Marcelo. Poeta do Lápis: sátira e política na trajetória de Angelo Agostini no Brasil Imperial (1864 – 1888). Campinas: Ed. UNICAMP, 2009.

OLIVEIRA, Gilberto Maringoni de. Angelo Agostini ou impressões de uma viagem da Corte à capital Federal (1864-1910). Tese de Doutorado apresentada ao programa de Pós-Graduação em História Social, USP, 2006.

Deixe uma resposta