1968: manifestações estudantis agitam o país

            Desde a eleição de Costa e Silva, o governo militar acentuou a repressão aos antagonistas. A doutrina de segurança nacional que tornou prioridade a luta das forças armadas contra ameaças internas, o crescimento da espionagem e da repressão, se fortaleceu. Além do Serviço Nacional de Informação, criado em 1964, contava-se também com o Centro de Informações da Marinha, o CENIMAR, a Operação Bandeirantes (OBAN) e o Destacamento de Operações de Informações –  Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) para citar alguns.

            Mas a reação não foi apenas contra “subversivos”, como também contra a oposição legal: ela deixou de ser aceita. A Frente Ampla formada por Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek e João Goulart, que defendia bandeiras democráticas como eleições diretas, anistia e nova Constituição, em 1968, foi proibida. Correntes liberais ou corporativistas alijavam-se do governo para criticá-lo. Na grande imprensa, O Estado de São Paulo, o Correio da Manhã e o Jornal do Brasil denunciavam, não só a política econômica, como as violações dos direitos humanos e democráticos.

Em abril, um tiro disparado por um policial atingiu o peito de um jovem de 18 anos: o estudante Edson Luiz, num restaurante universitário no centro do Rio de Janeiro. “Podia ser nosso filho. Nós todos temos uma parcela de culpa em sua morte. Surdos e intolerantes. Alheados. Esquerdistas e direitistas. Governo, oposição, trabalhadores, intelectuais […] Nós todos ajudamos a detonar aquela bala”, lamentava o editorial de O Cruzeiro, convidando seus leitores a dialogar com os jovens. O hino nacional entoado pela multidão encheu as ruas do centro. Sobre o caixão, cravos e lírios, enquanto das janelas, lenços brancos acenaram. Sobraram acusações ao regime. E as faixas: “Preço de uma refeição: dois mortos”, “Bala mata a fome”.

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           Manifestações estudantis agitavam o país, culminando com a Passeata dos 100 mil em 26 de junho de 1968, na Cinelândia, Rio de Janeiro. Tais manifestações incorporavam cada vez mais estudantes secundaristas, professores, religiosos, artistas e bancários. Explica o historiador Sérgio Lamarão que “na manhã do dia 26, o Centro do Rio foi tomado por grupos de estudantes, artistas, intelectuais e outros setores da população, que se concentraram em diversos pontos da área. A Cinelândia abrigou um elevado número de estudantes, enquanto artistas de teatro, cinema, música e artes plásticas se reuniam em frente à loja Mesbla, no Passeio Público”.

          Pouco antes das duas horas da tarde, teve início a marcha reunindo cerca de 50 mil pessoas — incluindo numerosos padres e freiras que carregavam cartazes e faixas com dizeres como “O povo organizado derruba a ditadura” e “Abaixo o imperialismo” e proferiam lemas do mesmo teor. Munidos de frascos de tinta de tipo spray, os manifestantes pichavam as ruas do Centro com frases contendo reivindicações e críticas ao governo. Durante o trajeto, a passeata foi engrossada por grande número de populares e estudantes. Às 15 horas, quando a passeata já reunia cerca de cem mil pessoas, o líder estudantil Vladimir Palmeira fez um discurso em frente à igreja da Candelária. A marcha terminou por volta das 17 horas diante do palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa carioca, e em suas três horas de duração não se registraram incidentes.

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            Uma tentativa de diálogo entre estudantes e o governo não deu certo. A seguir, conta Lamarão, “depois de um mês de setembro relativamente calmo, no dia 2 de outubro, no centro da capital paulista, os estudantes da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo entraram em choque com alunos da Universidade Mackenzie, liderados por elementos do Comando de Caça aos Comunistas (CCC). O conflito prosseguiu pelo dia seguinte, quando o secundarista José Guimarães foi morto por uma rajada de balas vinda do prédio do Mackenzie. Mas o acontecimento mais importante do mês de outubro ocorreu sem dúvida no dia 12, quando o XXX Congresso da UNE, realizado na ilegalidade em Ibiúna (SP), foi desbaratado pela polícia. Mais de setecentos estudantes foram presos, e entre eles as principais lideranças do movimento. Nos dias seguintes foram promovidas manifestações de protesto em todo o país, sendo deflagradas greves em Belo Horizonte, Fortaleza e Aracaju e realizadas passeatas em Florianópolis, Belém, Aracaju e Rio de Janeiro. Em 22 e 23 de outubro, conhecidos como os “Dias de Protesto”, foram registradas no Rio pelo menos três mortes, de um estudante e dois operários.

          A repressão ao congresso de Ibiúna marcou o início do refluxo do movimento estudantil enquanto movimento de massa e a entrada de seus primeiros integrantes para a clandestinidade. Esse quadro agravou-se ainda mais com a promulgação AI5, que conferiu contornos mais autoritários e centralizadores ao regime instaurado em março de 1964, e do Decreto-Lei nº 477, em 26 de fevereiro de 1969, que vedou terminantemente qualquer atividade de cunho político no interior das universidades.

  • “Histórias da Gente Brasileira – Vol. 4”, de Mary del Priore  (editora LeYa).
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capa folha

Capa da Folha de S. Paulo (reprodução)

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