Uma carta de amor: “dias tristes, dias felizes”

Joaquim Nabuco e Eufrásia Leite protagonizaram um dos mais célebres romances do Brasil no século XIX. O relacionamento durou quatorze anos, até 1887, período em que se corresponderam, apesar dos incontáveis rompimentos a que se seguiam doces reconciliações. Poucas são as cartas que restaram desse período. Dois anos depois da separação, Nabuco se casou com Evelina Ribeiro. Eufrásia jamais se casaria.

Dakar [Senegal], bordo do Congo, 31 de dezembro de 1885

        Não imagina que tristeza, que saudades e que arrependimento de ter deixado o Brasil. Quando penso que em janeiro poderíamos estar juntos, ao menos poderia ter notícias suas, de sua eleição,[1] saber o que se passa ou o que vai fazer, e não estar inquieta como estou, temendo que lhe aconteça alguma coisa, não sabendo quando e como nos veremos. Eu me pergunto o que vou eu fazer em Paris, que vida será a minha, como vou estar só, isolada, e me desespero pensando que para voltar ao Brasil é preciso refazer esta horrível viagem. Depois de Pernambuco tivemos muito mar. Até ontem, terça-feira, estive sempre doente, falo apenas, toda a gente de bordo me aborrece, o Horta me crispa. Como sinto não termos estado sós em P[ernambuco]. Não posso perdoar ao senhor do Horta, como o chamava Yayasinha, de ter me estragado o nosso último encontro no Brasil.

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       Eu espero que apesar de tudo vença a sua eleição. Eu não me conso­laria de ter sido a causa de sua demora e portanto de não ser eleito, mas lembre-se que todo o tempo eu lhe dizia de partir. Que saudades da Tijuca, como me lembro de tudo. Há hoje nesse mês o casamento do Tovar. Passamos todo o dia a arrumar a cesta de flores e por isso não brigamos. No dia seguinte começamos bem, do meio-dia às duas estivemos mal, depois fizemos as pazes.

      Aos dias mais felizes não poderia suceder mais tristes, maior contras­te não é possível, ainda estou atordoada de tudo o que se passou durante este mês e não posso medir até que ponto esta estada da Tijuca foi-me funesta apesar de ter sido tão feliz.

      Peço-lhe que nenhuma palavra minha o contrarie. Eu não estou lá para explicar as minhas célebres explicações que lhe pareciam intermináveis, mas nada que lhe diga o deve aborrecer. Eu não o acuso, a culpa é toda minha se eu não sabia resistir devia ter evitado o perigo, mas o que está feito, está feito, é o começo de […][2] creia uma palavra sua.

       Dê-me notícias suas, não estou tranquila enquanto não acabar essa eleição. Hoje o mar está muito calmo, amanhã chegaremos a Dakar, o mar é terrível, mas tanto caminho de ferro não é menos desagradável. Que triste passar o ano-bom como se diz, e que espero o seja para si, neste horrível vapor. Quando não podendo estar consigo poderia estar em minha casa com as quase únicas pessoas que me querem.

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Saudades, a primeira carta que lhe escrever espero que seja menos fúnebre.

 

Neusa Fernandes. Eufrásia e Nabuco. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012, pp. 219-220.

[1] N.S.: Em 1885, Nabuco iniciou campanha para sua eleição, por Recife, à Câmara dos Deputados, mas foi derrotado em 15 de janeiro de 1886.
[2] N.S.: Trecho suprimido na edição-base.

Fonte: Correio IMS

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Eufrásia Teixeira Leite

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