Um homem para chamar de “seu”

Pesquisas da socióloga Miriam Goldenberg revelam que na hierarquia de valores da mulher brasileira a melhor posição é a de esposa, de preferência com marido fiel, seguida da outra com amante fiel, depois da mulher que está só e, por fim, da casada enganada. A pior posição é a da casada sem vida sexual, voltada exclusivamente para cuidar dos filhos e da casa – ou seja, um resquício de tempos passados.

Ter um marido é uma verdadeira riqueza, especialmente em um mercado em que homens disponíveis para o casamento são escassos. As casadas se sentem poderosas, diz a socióloga, pois, além de terem um marido, acreditam que são mais fortes e independentes do que eles, pois lhes são imprescindíveis, e também por acreditar que eles lhes são fiéis. O que as brasileiras mais valorizaram nos depoimentos é o fato de terem um casamento sólido e satisfatório, de muitos anos. A existência desse tipo de casamento foi apontada como principal motivo de felicidade; já sua ausência motivou infindáveis queixas e lamúrias.

Em um dos grupos realizados para a pesquisa, uma mulher magra, bonita e de aparência muito jovem disse sentir inveja de outra pesquisada por ela ter um casamento estável e feliz. O interessante é que a invejada era gorda e de aparência muito mais velha do que a “invejosa”. A magra disse: “Eu tive e tenho muitos namorados, mas não consigo ter um companheiro, um marido. Senti inveja quando você falou do seu casamento de trinta, porque eu nunca consegui ter isso. E nunca mais vou conseguir ter”. Bem, levando em conta que essas mulheres passam a juventude e a idade adulta sendo bombardeadas com mensagens sobre como é fundamental ter um “marido” para serem consideradas “vitoriosas”, além de ler dezenas de matérias em revistas femininas sobre como ter dez orgasmos por semana, subir na carreira e criar os filhos para esculpir o modelo de personalidade, não é de estranhar que cheguem à maturidade com essa sensação.

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Hoje, porém, a baixa dos índices de natalidade e fecundidade, o aumento de casais e de nascimentos fora do casamento, o aumento do número de divórcios apontam modificações. A maior delas, contudo, é a simbólica. Com variações regionais, está havendo uma brutal individualização da família. Nesse processo, assistimos à passagem do coletivo ao singular; do grupo ao indivíduo. E este se constitui em célula-base da sociedade, enquanto a família deixa de ser um grupo predefinido para se transformar numa rede desenhada por trocas individuais, cada vez mais autônomas e eletivas. O surgimento de uma família caracterizada pelo apagamento das diferenças de sexo e de idade comprova a individualização das relações familiares.

A constatação gera duas correntes: uma dos que dizem que a família vem recuando como instituição, como instância de socialização e de integração social, resultado de uma cultura fundada na defesa de interesses pessoais e do egoísmo vigente; e outra que defende a capacidade do individualismo em valorizar as escolhas eletivas, estas capazes de fazer do outro uma fonte de realização de si. Essa nova ordem sentimental repousa menos sobre valores coletivos e mais na aspiração profundamente individual de construir uma identidade. A fidelidade incondicional de outrora é aí trocada pela fidelidade enquanto se ama; de juramento solene, passa à consciência do provisório.

Na comparação com o ano 2000, os dados do IBGE comprovam que houve aumento na nupcialidade, nos dois sexos. Mais brasileiros vêm se casando de novo, ou até pela primeira vez, na terceira idade. O contingente cada vez maior de divorciados acaba contribuindo para elevar a estatística dos casamentos, que aumentou 5% de 2009 em relação a 2010. A proporção de uniões formais em que há pelo menos um viúvo ou divorciado foi de 12% a 18% na década passada.

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Unidos para todo o sempre, com véu, grinalda e buquê, as brasileiras continuam gostando de se casar. Entre 1998 e 2008, a porcentagem de casamentos aumentou 34,8%. Casar-se, na verdade, foi e é o sonho de muitas mulheres. Para alguns pesquisadores, ainda hoje o casamento oferece às brasileiras um papel que as realiza. E mais: continua a lhes dar uma função social. Segundo a socióloga : “Elas precisam do olhar masculino para se sentirem aprovadas e achar que podem ser a única coisa especial na vida dos caras. Por isso, quando traídas, desmoronam”.

A importância do casamento também alimenta a informação e o questionamento, coisas que não existiam há cem anos. Perguntas do tipo Por que é tão difícil ser feliz a dois? Por que os relacionamentos naufragam ou se tornam burocráticos, sem prazer nem sabor? Por que a atração sexual diminui drasticamente ou acaba durante o casamento? Por que homens e mulheres, casados ou solteiros, parecem tão infelizes e insatisfeitos com a vida amorosa? são comuns hoje em dia. A expressão “fracasso conjugal” leva muitas ao divã, quando não ao alcoolismo e à depressão. Não há dúvida de que o tema é importantíssimo.

Em uma sociedade na qual a mídia se encarrega de sexualizar o menor dos gestos, a obsessão pela realização sexual dentro do casamento também se tornou quase obrigatória. Velhos casais se sentem “obrigados” a se sentir atraídos fisicamente, como se fossem recém-casados. Bombardeados pela propaganda, cada membro começa a se questionar: ser feliz seria gozar indefinidamente? A excessiva fantasia alimenta a sensação de infelicidade e vazio, nutrindo, também, a insatisfação com a qualidade da relação.- Mary del Priore

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“Arrufos”, de Belmiro de Almeida.

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  1. Sonia Mara N Brigido

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