Testemunha da História: “Foi um herói aquele D. Pedro!”

O homem que no Império seria o barão de Pindamonhangaba (1780-1863), Manuel Marcondes de Oliveira Melo, era um dos que acompanhavam o regente d. Pedro na viagem pela província de São Paulo. Ele fez o seguinte relato sobre os acontecimentos do dia 7 de setembro, desde a partida de Santos até a entrada na cidade de São Paulo.

Ao romper do dia […] já lá estava a guarda postada em frente ao palacete em que se tinha hospedado sua alteza, aguardando suas ordens. Não partimos pela madrugada, mas saímos cedo.

Montava d. Pedro uma possante besta gateada, sendo menos verdadeira a notícia, mais tarde dada pelos jornais, de que vinha em ardoroso cavalo de raça mineira. Em toda a viagem mostrava-se sua alteza muito satisfeito e expansivo. Trazia a seu lado o padre Belchior Pinheiro, com quem mantinha animada conversação.

Já havíamos subido a serra quando d. Pedro se queixou de ligeiras cólicas intestinais, precisando por isso apear-se, para empregar os meios naturais de aliviar seus sofrimentos. Observou-nos então que melhor seria a guarda seguir adiante e esperá-lo na entrada de São Paulo, se antes não fôssemos por ele alcançados.

Efetivamente, aí o deixamos, passando a caminhar como havia sido determinado. Chegando ao Ipiranga25, sem que ninguém aparecesse, fiz parar a guarda junto a uma casinhola que ficava à beira da estrada, à margem daquele riacho.

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Para prevenir qualquer surpresa, mandei o guarda Miguel de Godói, que era dos mais moços, colocar-se de atalaia em um lugar de onde pudesse descobrir a aproximação do príncipe, para nos avisar com tempo de nos pormos em forma e escoltá-lo à entrada da cidade. Tomando essa providência, apeamo-nos e nos pusemos a descansar, conforme era natural.

Pouco tempo, porém, se tinha decorrido, quando vimos chegar, dirigindo-se para o nosso lado, dois viajantes, que logo reconhecemos serem pessoas de consideração. Eram Paulo Bregaro, oficial da Secretaria do Supremo Tribunal Militar, e o major Antônio Ramos Cordeiro, que, a mandado de José Bonifácio, vinham do Rio de Janeiro apressadamente, procurando d. Pedro, para lhe fazerem entrega de papéis de muita circunstância, que o governo lhe enviava.

Não podia esse encontro deixar de impressionar a todos, curiosos por sabermos do que era que se tratava. Apesar, porém, dos repetidos e importunos pedidos de informações dirigidos aos emissários, na ocasião nada mais conseguimos saber, senão que ao Rio havia chegado um navio trazendo despachos das Cortes de Lisboa, dos quais entendeu o ministro dever dar conta imediata a d. Pedro.

Isto tudo se passou em poucos momentos, continuando os viajantes a sua marcha ao encontro de d. Pedro e ficando nós ansiosos por sabermos do motivo que determinara tanta pressa.

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Enquanto ali nos demoramos, formaram-se vários grupos, onde todos faziam suas conjecturas, procurando cada qual adivinhar o que seria. E é preciso deixar consignado, para honra daqueles rapazes, que, embora naquele tempo se falasse muito em desembarque de forças portuguesas nas costas do Brasil, ninguém se mostrou assustado.

Poucos minutos poderiam ter-se passado depois da retirada dos referidos viajantes, e eis que percebemos que o guarda que estava de vigia vinha apressadamente em direção ao ponto em que nos achávamos. Compreendi o que aquilo queria dizer, e imediatamente mandei formar a guarda para receber d. Pedro, que devia entrar na cidade entre duas alas. Mas tão apressado vinha o príncipe, que chegou antes que alguns soldados tivessem tido tempo de alcançar as selas.

Havia de ser quatro horas da tarde, mais ou menos. Vinha o príncipe na frente. Vendo-o voltar-se para o nosso lado, saímos a seu encontro. Diante da guarda, que descrevia um semicírculo, estacou seu animal e, de espada desembainhada, bradou: “Amigos! Estão para sempre quebrados os laços que nos ligavam ao governo português! E nos topes que nos indicam como súditos daquela nação, convido-vos a fazerdes assim”. E, arrancando do chapéu que ali trazia a fita azul e branca, a arrojou no chão, sendo nisso acompanhado por toda a guarda, que, tirando dos braços o mesmo distintivo, lhe deu igual destino. “E viva o Brasil livre e independente!” Gritou d. Pedro.

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Ao que, desembainhando também nossas espadas, respondemos: “Viva o Brasil livre e independente! Viva d. Pedro seu defensor perpétuo!” E bradou ainda o príncipe: “Será nossa divisa de ora em diante “Independência ou morte!” Por nossa parte, e com o mais vivo entusiasmo, repetimos: “Independência ou morte!”

Metendo, então, a espada na bainha, no que foi ainda acompanhado por toda a guarda, voltou d. Pedro rapidamente o animal para a estrada que vai a São Paulo, e a galope lá foi experimentar as fortes emoções que sua alma de moço devia estar sentindo, vibradas pela incomparável vitória que acabava de alcançar, vencendo preconceitos e interesses de família, afrontando a animosidade de um povo de que estava dependente o seu futuro, só para elevar a nossa pátria à posição de país livre e independente.

Foi um herói aquele d. Pedro!

Trecho extraído de “Brasil: A História Contada por Quem Viu”, de Jorge Caldeira (organizador). Editora Marmeluco, 2008. 

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D. Pedro I: visão heroica.

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