Somos todos indiferentes?

Ontem, ocorreu um acontecimento chocante, inacreditável: uma repórter e um cinegrafista do canal americano WDBJ-TV foram assassinados a tiros, durante uma entrevista ao vivo, no estado da Virgínia. O assassino, um antigo e ressentido funcionário da emissora, filmou o ataque e postou nas redes sociais, antes de se suicidar. Há pouco mais de dez dias, no Brasil, nas cidades paulistas de Osasco e Barueri, pelos menos 18 pessoas foram assassinadas em três horas. Foram divulgados vídeos dos homicídios, fotos dos corpos, das sangrentas cenas dos crimes, de familiares e amigos em desespero. Dias antes, uma moça, no Rio Grande do Sul, teve os pés e mãos amputadas pelo companheiro. Vimos suas imagens no hospital, envolta em ataduras, marcada para sempre pela violência.

E qual a nossa reação a todas essas tragédias? Indiferença. Apatia. Todos os dias somos bombardeados por uma avalanche de imagens violentas e dolorosas. O sofrimento do próximo, real ou fictício, é mostrado insistentemente, a cada segundo, na internet e na TV. Há inúmeros seriados, filmes e novelas que também exploram, ao máximo, as mazelas da humanidade. E, cada vez mais, estamos anestesiados. Chacina? Ah, foi na periferia, bem longe de mim. Assassinato ao vivo? Só tem doido nos EUA!  Ou ainda fazemos pior, justificando a violência, culpando as vítimas, para quem sabe, nos convencermos de que essas coisas nunca acontecerão conosco.

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Como diz Mary del Priore: “O mundo exterior nos bombardeia com a miséria, a selvageria, a violência e, simultaneamente, com o riso, a anedota e a festa. Mas nesse contexto, um morto é igual ao outro; uma imagem vale outra. Mais e mais perdemos o uso da perspectiva. Não há mais diferença entre o real e o imaginário. As pessoas tornam-se coisas e coisas tornam-se pessoas. Assim, vamos assistindo, desencantados, a nossa posição ética perante o mundo anestesiar-se”. E completa: “A modernidade, denunciaram alguns filósofos, não passa de um enorme dispositivo para nos acostumar: acostumar com o espetáculo diário do sofrimento, acostumar com nossa função de consumidores anônimos e apáticos”.

Ao mesmo tempo, temos uma curiosidade mórbida em ver essas imagens. As pessoas têm verdadeira obsessão por filmar, gravar, fotografar episódios violentos para colocar nas redes sociais, conseguir o maior número de visualizações e “curtidas”. O assassino norte-americano chegou ao extremo, filmando os seus crimes para postar depois. Desejo de ser reconhecido? De mandar uma mensagem? Ou simplesmente egocentrismo doentio? Acho que os três fatores combinados. A superexposição de nossas vidas nos leva a um narcisismo tamanho que realmente acreditamos que o mundo está interessado em nossas ideias, realizações, viagens e até na nossa última refeição…

O interesse pelos fatos, entretanto, passa rápido. Em poucos segundos, aparece outra tragédia, outras mortes, ou um casal de celebridades se separa ou a atriz da novela faz revelações sobre a sua vida sexual. E toda aquela atenção desaparece. Ninguém mais se lembra do que ocorreu ontem.  Para o historiador, familiarizado com a perspectiva do passado, com as permanências e as lentas mudanças da História, os tempos atuais são desafiadores.  A violência  e o sofrimento sempre existiram, assim como a sua espetacularização, mas o individualismo e o egocentrismo, aliados à tecnologia da informação, criaram novas formas de lidar com essas questões. O que me pergunto é: será que existe um limite?

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Texto de Márcia Pinna Raspanti. 

tiradentes

“Tiradentes esquartejado”, de Pedro Américo.

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  1. Ibis Soares Brandão

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