Sexo homossexual na novela: escândalo?!

           A Globo causou polêmica com uma cena que mostra uma relação sexual entre dois homens na novela “Liberdade, Liberdade”. É muito interessante notar que a trama escolhida para mostrar o amor homossexual de forma mais ousada (para o padrão das novelas brasileiras) tenha sido de época: a história se passa em Minas Gerais, no final do século XVIII e início do XIX. Os dois personagens são apaixonados, mas não podem assumir o relacionamento devido às pressões sociais. Tem tudo para ser um amor trágico, daquele tipo que faz tanto sucesso nas novelas.

         A homossexualidade foi duramente reprimida no Brasil Colônia, principalmente a masculina, tanto pela Igreja, que perseguia os “sodomitas”, quanto pelos representantes da Coroa Portuguesa. As práticas “nefandas” dos indígenas foram alvo de escândalo e repressão pelos jesuítas. As Ordenações Filipinas (1603) previam a pena capital aos homossexuais, incluindo as mulheres. As punições incluíam confisco de bens, infâmia dos descendentes e até a tortura. A homossexualidade foi o único crime moral passível de receber a pena da fogueira pela Inquisição portuguesa. As punições aumentavam nos casos de homossexuais considerados devassos e escandalosos, que podiam ser sentenciados a degredo, açoites, confisco de bens e à fogueira.

            Entretanto, isso não impedia os amores homoeróticos. Houve casos, inclusive, de homens que demonstravam suas preferências sexuais em público, em pleno século XVIII. “Rituais de namoro entre homossexuais não se distinguiam dos demais. Luís Delgado, estanqueiro de fumo em Salvador da Bahia, se tornou conhecido por demonstrar publicamente a paixão que nutria por seus sucessivos amantes, beijando-os na frente de outras pessoas, regalando-os com presentes de fino trato, vestindo-os com “galas”, ou seja, roupas e sapatos caros, andando juntos debaixo de um grande guarda-sol, para escândalo e escárnio de seus inimigos. Era comum a troca de ‘memórias de ouro’, ou seja, um anel de compromisso”, conta Mary del Priore, em História do Amor no Brasil.

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           No século XIX, a medicina se alia ao Estado e à Igreja para estigmatizar os homossexuais. Nessa perspectiva, o homossexual deixaria de ser um “pecador” para ser visto como um doente. Os tratamentos para essa “doença” eram bastante cruéis e invasivos aos olhos da atualidade, mas tinham como objetivo tratar e curar tais distúrbios. Gilberto Freyre descreve os rapazes afeminados, que mais pareciam sinhazinhas, e destaca que esses eram ridicularizados e perseguidos pela sociedade. Na literatura médica, a aversão moral e religiosa ao homoerotismo suscitava explicações sobre o antinaturalismo e o aspecto doentio desse tipo de relacionamento.

          Na literatura, contudo, percebemos algumas mudanças. Com a chegada da estética “naturalista” a homossexualidade começa a ser abordada de forma um pouco diferente. Adolfo Caminha, em 1895, publica seu segundo romance, O Bom Crioulo, com a história de um fanchono e seu amor por um garoto pubescente. “Amaro, um escravo fugitivo busca refúgio trabalhando num navio da marinha brasileira. Aí encontra Aleixo: jovem e delicado grumete, de pele clara e olhos azuis, por quem se apaixona. Quando em terra, Amaro monta casa – um quarto alugado – com Aleixo, onde vivem um relacionamento livre. Em viagem, Amaro não deixava de levar uma fotografia de Aleixo – o daguerreótipo ficara conhecido no Brasil, desde 1840 – imagem que, ao deitar, enchia de beijos úmidos e voluptuosos. Mas, como já viu o leitor, não há, nesta época, história assim sem final trágico. Pois Aleixo se deixa seduzir pela senhoria – Carolina, uma ex-prostituta e roído de ciúmes, Amaro o mata.  Ambos são vítimas, na tradição da época do amor trágico, amor traído, amor impossível, amor de novela”, resume Mary del Priore.

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            O amor homoerótico começa a inspirar tramas românticas, algo bem diferente do tratamento dado ao tema anteriormente. (Quem não se lembra dos poemas satíricos direcionados aos maricas por Gregório de Matos, na Bahia do século XVIII?) Apesar da perseguição e do preconceito, surgem novas abordagens com a virada do século. Em Frederico Paciência, escrito em 1924 e revisto várias vezes antes de sua publicação póstuma em 1947, Mário de Andrade narra a estória romântica de dois estudantes que se separaram sem consumar seus desejos, exceto por alguns beijos e abraços furtivos. “A distância geográfica porá um fim na relação, permitindo ao autor expressar, num dos personagens, o alívio frente à possibilidade de ter que se assumir como homossexual. Alívio, de muitos que se viam constrangidos por seu meio familiar e social. Alívio, segundo vários autores, autobiográfico”, diz a historiadora.

                E como a homossexualidade tem sido retratada na televisão? Por muito tempo, os homossexuais foram mostrados como tipos cômicos, ridicularizados em trejeitos exageradamente afeminados. Nas novelas, muitos personagens foram bem aceitos pelo público pela via do humor. Não havia casais homoafetivos. Recentemente, os autores começaram a inserir personagens homossexuais mais verossímeis, que trabalham, têm família, relacionamentos. O “beijo gay” protagonizado por duas atrizes veteranas no ano passado causou reações ruidosas e até campanhas de boicote à emissora. Propagandas que mostram simplesmente que os casais homossexuais também compram presentes para o Dia dos Namorados (!) foram denunciadas por telespectadores indignados.

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                As críticas à cena de sexo homossexual, como seria esperado, agradou muitos e revoltou outros tantos. Enfim, a mídia se alimenta das polêmicas, mesmo que falsas. Mas, esse tipo de acontecimento tem o mérito de colocar as discussões na ordem do dia e ajudar a quebrar velhos tabus.

  • Texto de Márcia Pinna Raspanti.

 

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Foto: TV Globo (Divulgação).

 

13 Comentários

  1. Elisandra Silvino Martins
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  2. Neide
  3. vanuza sipriano
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  4. Roberta Tavares
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  5. José Arnaldo de Castro
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