Sexo e poder: a homossexualidade entre os romanos

É importante fazermos um esforço para tentar entender como eram as relações amorosas e familiares no passado. “Sexo e Poder em Roma”, de Paul Veyne (editora Civilização Brasileira), é uma coletânea de artigos e entrevistas muito interessante e de agradável leitura. O autor destaca que pouco se sabe sobre a vida íntima dos pobres e escravos, mas podemos ter uma ideia de como as pessoas de classes mais abastadas se relacionavam. E, ao contrário do que muita gente pensa, não havia homossexualidade na Roma Antiga – pelo menos não da maneira que entendemos hoje.

Os antigos possuíam categorias comportamentais muito diferentes das nossas: liberdade amorosa ou exclusividade conjugal, atividade ou passividade, homem livre ou escravo. “Sodomizar seu escravo era considerado um ato inocente e, mesmo os censores mais severos praticamente não se preocupavam com questão tão subalterna. Em compensação, era monstruoso por parte de um cidadão ter prazeres servilmente passivos”. Na verdade, todo o prazer ou paixão amorosos eram mal vistos, por serem considerados incontroláveis e por “desfibrar” o cidadão e o soldado.

Podem-se encontrar, de acordo com Veyne, referências ao caráter antinatural das relações homofílicas, mas isso tinha um significado muito diferente do que entendemos atualmente com atos contra a natureza. “Um pederasta não era um monstro, era simplesmente um libertino movido pelo instinto universal do prazer. Não havia horror sagrado ao pederasta”. Nesse mundo, o importante era ser o parceiro ativo, não importando o sexo do outro. Os poetas cantavam as aventuras dos heróis com mulheres, rapazes ou ambos, de acordo com o gosto pessoal do personagem.

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Veyne mostra que nisso os romanos eram muito parecidos com os gregos. O “amor grego” poderia ser chamado também de “amor latino”. Mas havia uma diferença importante: os romanos tinham horror à indulgência com que os gregos aceitavam o amor platônico que os cidadãos adultos reservavam aos efebos livres. Para os romanos, um cidadão digno deveria respeitar as mulheres casadas, as virgens e os adolescentes livres. As restrições à homofilia eram para evitar que um senhor fosse tratado como escravo, o que era vergonhoso, e não por haver repulsa por relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo.

Entre os gregos, conhecemos a pederastia que era uma ligação entre um adulto masculino (erastés) e um jovem (erómenus), ambos livres e pertencentes à aristocracia. O ato sexual ou erótico estava ligado à hierarquia. Como para os romanos, era muito importante quem penetrava e quem era penetrado, quem era ativo e quem era passivo. O adulto cidadão tinha um papel erótico diretamente ligado ao seu status sociopolítico, sendo necessariamente o ativo e o sujeito da relação. O cidadão adulto podia ter relações eróticas legítimas com pessoas de condição inferior, que não tinham participação política, como jovens de até 20 anos (antes de ganharem o status de cidadãos), escravos, estrangeiros ou mulheres.

Havia também um aspecto pedagógico nessa relação. O adulto deveria preparar o efebo para a futura vida política. O jovem só poderia ceder às investidas do erastés com o objetivo cívico de exercer suas funções para com a polis. Ceder por dinheiro ou paixão era vergonhoso. Sobre esse tema, há um artigo muito interessante (“Eros Político”) na Revista de História da Biblioteca Nacional deste mês (nº 119), de Daniel Barbo (UFAL). Por sinal, a publicação traz um dossiê sobre a homossexualidade na História.

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Enfim, em relação aos gregos e romanos, devemos ter mente que vigia uma moral totalmente diferente da nossa, com outros valores e regras diversas. “só podemos tentar escapar do anacronismo mergulhando de cabeça no passado, tentando livrar-nos de todo prejulgamento, de toda assimilação àquilo que conhecemos”, resume Veyne.

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Apenas por curiosidade, me chamou atenção que Paul Veyne cita o Brasil em algumas passagens do livro – nada muito positivo. Para falar sobre as condições econômicas de Roma Antiga, Veyne diz que as diferenças entre as províncias mais ricas e as mais pobres eram enormes: “A desigualdade social era desmesurada, brasileira…”. E o autor também usa o exemplo brasileiro para explicar a suposta mestiçagem dos romanos. “É um pouco o Brasil Colonial. Todo o senhor romano dorme com suas escravas, sua casa é cheia de filhos concebidos desta maneira, mas não é conveniente falar nisso, a barreira entre escravos e homens livres é intransponível e deve permanecer invisível”.

Texto de Márcia Pinna Raspanti.

gregoriohensen

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  5. Karina

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