Secas e inundações: as catástrofes climáticas na História do Brasil

Assistimos desesperados às mudanças climáticas que castigam o país nos últimos anos. Falta de chuvas, enchentes, calor excessivo. Tudo isso, porém, já afetava a população desde os tempos coloniais. O Brasil Colônia sofria com as secas, principalmente na região nordeste. A vida no sertão não era fácil. Mary del Priore nos dá uma descrição da situação, em “Uma Breve História do Brasil:

O cotidiano desenrolava-se sob sol ardente e em solo árido. De agosto a dezembro, a falta d’água era tanta que muitas pessoas quase não tinham o que beber. Junto com a seca vinham as crises de abastecimento. Quase nada florescia, nem crescia. A regularidade das estiagens era apavorante: anos como os de 1660, 1671, 1673 e 1735 deixaram marcas. Preocupadas, as autoridades anotavam em correspondências oficiais: “Há dois anos que se experimenta nesta capitania e em todo o Estado uma total falta de água, por cuja causa se destruíram as plantas e não produziram as safras, além do que há grande falta de carne e de farinha”. As dificuldades alimentares aparecem em outros registros, como aquele de 1697 em que um padre anotava sobre os sertanejos: “comem estes homens só carne de vaca com laticínios e algum mel que tiram pelos paus; a carne ordinariamente se come assada, porque não há panelas em que se coza. Bebem água de poços e lagoas, sempre turva e muito assalitrada. Os ares são muito grossos e pouco sadios. Desta sorte, vivem esses miseráveis homens, vestindo couros e parecendo tapuias”. A pobreza sertaneja era um dado real, embora escapasse ao relato do padre europeu a luta dos homens para adaptar-se ao meio ambiente. Para ficar em poucos exemplos, que se pense no uso de fibras vegetais substituindo tecidos de vestir, nas redes de fibra de caroá, no cardápio agreste de carne de tatu ou peba e da paçoca de carne de sol pilada com farinha e rapadura.

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No período imperial, o Nordeste continuava a ser atingido pela estiagem e o consequente desabastecimento. O governo já se preocupava com o problema e tomou algumas medidas para contorná-lo. Em 1877, tem início a “grande seca”, que duraria cerca de dois e teria consequências catastróficas. Dizem que D. Pedro II teria afirmado: “Não restará uma única joia na Coroa, mas nenhum nordestino morrerá de fome”. Criou-se comissão imperial para desenvolver medidas que pudessem atenuar futuras secas. Houve iniciativas e projetos para atenuar o problema, com a importação de camelos para o Ceará, a construção de ferrovias e açudes, e a abertura de um canal para levar água do Rio São Francisco para o Rio Jaguaribe, no Ceará. Pouca coisa saiu do papel.

Nas décadas seguintes, a escassez das chuvas permaneceria constante na região Nordeste, assim como a miséria. Foram construídas estações pluviométricas e criou-se a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), em 1909. No entanto, o impacto positivo na vida da população foi pequeno. Na seca de 1915, o governo do Ceará criou uma espécie de campo de concentração para impedir a migração para a capital. A fome e a falta de higiene provocaram um quadro trágico, com a morte de milhares de pessoas devido à desnutrição e às epidemias.

A ideia foi do presidente do Estado, Cel. Benjamin Barroso. Apesar das alegadas boas intenções, a função do local era evitar a invasão de Fortaleza por uma multidão retirantes, preservando assim a ilusão de uma cidade em processo de urbanização e crescimento. (Mais sobre o assunto em “Curral dos Bárbaros: os campos de concentração no Ceará”, de Federico Castro Neves). No romance “O Quinze”, Rachel de Queiroz narra como a heroína Conceição “atravessava muito depressa o campo de concentração”, trêmula ao ouvir a súplica: “Dona, uma esmolinha”. Apertava o passo, “fugindo da promiscuidade e do mau cheiro do acampamento”.

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Vários períodos de seca se sucederam, mas com menor intensidade. Até 1932, quando outra estiagem iria devastar o semiárido nordestino. Foi nessa época que se tornou conhecida a indústria da seca: as oligarquias econômicas e políticas da região que usavam recursos do governo em benefício próprio, com o pretexto de combater as mazelas do fenômeno climático. Nesse mesmo ano, vários campos de concentração para os flagelados da seca foram criados. Os resultados foram tão cruéis e desastrosos quanto aqueles alcançados em 1915.

Outras secas atingiriam o Nordeste nas décadas seguintes. A mais abrangente delas teve início em 1979 e durou quase cinco anos. Fome e saques se espalharam pela região. Dados oficiais dão conta de que, nessa época, morreram 3,5 milhões de pessoas por conta de enfermidades e desnutrição.

-Márcia Pinna Raspanti.

As enchentes também trouxeram inúmeros transtornos. Confira a seguir, na reportagem de O Globo, um trecho do diário de D. Pedro II, em que ele comenta o problema das cheias. A solução, na opinião dele, era o reflorestamento.

http://m.oglobo.globo.com/rio/diario-de-dom-pedro-ii-mostra-que-transtorno-atravessa-os-tempos-10916597

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“Retirantes”, de Cândido Portinari.

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