São Paulo dos tempos coloniais

         Ancorada entre os charcos formados pelo Tamanduateí, o Pinheiros, o Juqueri e o Cotia, São Paulo parecia aos olhos dos viajantes estrangeiros melhor aglomeração urbana do que suas congêneres. No alto de uma pequena elevação, sobressaíam as torres de suas oito igrejas, seus dois conventos e três mosteiros. Casas em taipa branqueada com tabatinga, uma espécie de argila clara, davam-lhe ares de incrível limpeza. As ruas, no entender de vários observadores, eram “largas, claras, calçadas, espaçosas e asseadas”.

        Aqui e ali, chafarizes reuniam a multidão de escravos e mulheres em busca d’água. O do largo da Misericórdia era dos mais concorridos. O clima ameno e saudável também impressionava: “o clima de São Paulo é um dos mais amenos da terra”, exultavam Spix e Martius, depois de torrar sob o intenso calor carioca. Transposto o riacho do Tamanduateí, se entrava na parte mais animada: o mercado ou rua das “casinhas” – lojas de víveres – que se esparramavam pela Rua do Buracão ou ladeira do Carmo.

        As casas de moradia dos que tinham mais posses costumavam ter dois andares dotados de balcões, onde se instalavam homens e mulheres. Alguns cômodos tinham piso em madeira: “assoalhado de taboado” ou “forrados”. Neles tomavam a fresca da manhã e da tarde e assistiam ao desfilar das procissões em dias de festa de santos. Outras possuíam corredores laterais sustentados por pilares em madeira, assim como umbrais de portas e janelas decoradas. Até o início do século XVIII, os carpinteiros eram índios e seu estilo deixou registros na construção das casas: elevadas para evitar que as enxurradas destruíssem suas paredes, voltadas para o Norte evitando os ventos frios que sopravam de Sudoeste, armações de paus roliços habilmente amarrados para suportar telhados e cozinhas externas sob jiraus.

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        Quanto ao seu interior, Saint-Hilaire, viajante francês do século XIX, descreveu-as como limpas e mobiliadas com gosto. As paredes, pintadas com cores claras e guarnecidas de rodapés nas casas novas, contrastavam com as das antigas, ornadas com arabescos e desenhos. Cadeiras de madeira, só a partir do século XVII em São Paulo e, em fins do século seguinte no Nordeste, diz Tilde Canti. As cadeiras dobradiças, de couro lavrado com decoração geométrica ou as cadeiras de braço, com assento e espaldar também cobertos de couro lavrado, só foram incorporadas ao cotidiano no século XVIII. Transportável e fresca, além de adaptada ao clima tropical, a rede retardou a difusão do leito ou do catre. Os raros exemplares destes móveis pertenciam, no século XVII, a autoridades, funcionários da Corte ou colonos abastados. Caso de certo Francisco Lopes Pinto cujo inventário revelava, em São Paulo, de 1623 “um catre torneado à cabeceira”. Coisa rara!

        As alfaias eram variadas. Na São Paulo seiscentista, sobre as mesas se viam tigelas, alguidares, púcaros, potes de louça do Reino ou da Índia. Pesquisas arqueológicas têm revelado a fisionomia dessa louça decorada em azul sobre fundo branco, com listras, caracóis ou “garatujas”.

        Singelas construções religiosas dominavam a silhueta da capital: a catedral da Sé, o mosteiro de São Bento, os conventos de São Francisco, Carmo e Santa Teresa e, mais afastado, o da Luz. O cedro garantia a fabricação de altares e retábulos. Capelas particulares, como a de Fernão Paes de Barros, eram elegantemente decoradas com folhas de ouro, exóticas chinesices e tetos pintados. Outras construções se sobressaíam ao casario uniforme e austero: o palácio do governo, a cadeia, o quartel e o hospital militar. Segundo um cronista, as igrejas pouco tinham de notável. Para além da colina central, ao norte da cidade, se descobria o Jardim Botânico construído em 1799 por Antônio Manuel de Mello Castro e Mendonça, governador da capitania; do lado do Brás, da Consolação ou Santa Ifigênia, pequenas chácaras com seus pomares e roças bem cuidadas indicavam a presença de moradores. Mais longe, além dos rios que banhavam o sopé da colina, freguesias periféricas sediavam fazendas que abasteciam, com seus produtos, o mercado de alimentos.

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      Os chamados “negros da terra” tinham seus alojamentos no fundo das propriedades, próximos à cozinhas e separados das casas por roças. No campo, suas moradias estavam sempre próximas à lavoura em que trabalhavam. No início do século XVII, tais casas extensas eram chamadas tijupares. Gradativamente, passaram a ser individualizadas e cobertas de palha para, no século XVIII, se transformarem em senzalas para os africanos chegados a São Paulo.

  • Texto extraído de “Histórias da Gente Brasileira: Colônia (vol.1)”, Editora LeYa, 2016.

sãopauloXVIII

‘DEZENHO POR IDEA DA CIDADE DE SÃO PAULO’.
autor: não identificado. Século XVIII.
fonte: Original manuscrito na Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

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