República Velha: estados sob intervenção federal

Eleito em julho de 1922, mineiro e presidente do Partido Republicano, Artur Bernardes tomou posse sob a tensão da Revolta Tenentista na capital que, um ano mais tarde, se repetiu em São Paulo. Com mão de ferro, colocou os estados que votaram contra ele, sob intervenção: Rio de Janeiro e Bahia. No Rio Grande do Sul eclodiu a revolta de 1923, enquanto a coluna Prestes, movimento tenentista que percorreu o país pregando mudanças políticas e sociais se punha em marcha. A insatisfação de vários grupos se tornava tumultuada, ligeira como um rio que transborda as margens.

Na capital, tudo começou com o fechamento do Clube Militar sob alegação de que se tratava de “associação nociva à sociedade”. Hermes da Fonseca foi preso por um dia enquanto grafólogos insistiam que a insultante carta que caricaturava o Exército e o próprio marechal era, sim, do presidente Bernardes. Acusações de fraude nas eleições e de que o candidato do Exército, Nilo Peçanha fora passado para trás acenderam os quartéis. O grito de guerra era: “A procissão vai sair”. A conspiração que impediria Bernardes de assumir a presidência começou no Forte de Copacabana. Liderada pelo capitão Euclides Hermes, filho do marechal, e os tenentes Siqueira Campos e Eduardo Gomes. O movimento foi comandado pelos “tenentes”, uma vez que a maioria da alta oficialidade se recusou a participar do levante.

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O escritor Eduardo Bueno fez imagens fotográficas sobre o evento: à uma hora da manhã de 5 de julho de 1922, um canhão foi disparado. Era a senha para que os demais fortes da capital aderissem ao movimento. Decepção. As demais guarnições desistiram de unir-se à conspiração. Siqueira Campos reagiu: “Fomos traídos. Perdemos a revolução. Só nos resta nos entregarmos como covardes ou sairmos lutando por aí”. Bombardeados por dois encouraçados e cercados por 4 mil homens do governo, anunciou: “Não queremos levar ninguém ao suicídio. Quem quiser abandonar o forte, deve fazê-lo agora”. Dos 301 homens, 273 deixaram a guarnição.

O capitão Euclides Hermes seguiu para o Catete a fim de negociar com o ministro da guerra, Pandiá Calógeras. Foi preso, ao chegar. Enquanto isso, seus companheiros dividiram a bandeira em 28 pedaços e decidiram sair à rua em caminhada na direção do palácio. Armados, caminhavam lentamente pela Avenida Atlântica. Pouco tempo depois, dez tinham se escafedido pelas ruas transversais. Aos remanescentes, juntou-se um civil, o engenheiro gaúcho Otávio Correa.  Tiros vindos da tropa leal ao governo foram abatendo, pouco a pouco, os caminhantes. Dez mortos… Oito… Ao final, sobreviveram apenas os cabeças, tenentes Eduardo Gomes e Siqueira Campos. O movimento entrou para a história com o nome de Os Dezoito do Forte. Seria a primeira manifestação da revolta dos quartéis, mais tarde apoiada pela classe média, contra a política dos grupos “café-com-leite” que sustentavam a República.

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Três meses depois, já com Bernardes no poder, nova revolução. De novo o Rio Grande do Sul e, desta vez, contra Borges de Medeiros que se elegia, pela quarta vez consecutiva, graças a fraudes descaradas. Foi quase uma repetição do que houve em 1893. Sob a liderança de Joaquim de Assis Brasil, estancieiro e líder da oposição a Medeiros, os rebeldes intitulados “libertadores” deram início à luta no dia 25 de janeiro de 1923, logo depois do anúncio da reeleição de Borges de Medeiros.

No início deste mesmo mês, Cecília de Assis Brasil, filha do líder revoltoso anotou em seu diário: “Continuavam os boatos alarmantes. É quase certa uma revolução, quando o Borges tomar posse… Fizemos uma junta para resolver o que fazer no caso da revolução. Decidimos esconder o que pudermos, sem dar nas vistas. Subi ao esconderijo, feito a propósito. Auxiliada pelas manas, lá depositei diversas pastas de papéis, com a maior economia de espaço. O seguro morreu de velho: vamos esconder os objetos de maior valor e estimação. Queira Deus que não haja perturbação alguma da ordem. De noite continuamos a esconder objetos de prata”.

Extremamente bem armados com modernas metralhadoras, os “legalistas” iriam enfrentar os “libertadores”, de lenço vermelho ao pescoço e lanças nas mãos. Os primeiros eram comandados por jovens caudilhos da nova geração: Flores da Cunha, Osvaldo Aranha e Getúlio Vargas. Do outro lado, Batista Luzardo ao lado de Assis Brasil foi dos heróis desta luta que durou dez meses. E onde se matou muito, e de forma horrenda, pois segundo Cecília Assis Brasil, persistia a tradição de degolar adversários: “É uma coisa brutal essa guerra civil. A gente chega a esquecer que o adversário é afinal um irmão, nascido sob o mesmo céu, criado sobre a mesma terra”.

  • Histórias da Gente Brasileira: República 1889-1950 (vol.3), de Mary del Priore. Editora LeYa, 2017.
Artur Bernardes

Com mão de ferro, Bernardes colocou os estados que votaram contra ele, sob intervenção (foto oficial)

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