República: o golpe em marcha

O cenário político fervilha. Grupos exaltados contra e a favor do governo federal se digladiam pelas ruas e avenidas. A imprensa coloca mais lenha na fogueira, enquanto as redes sociais viraram um campo de batalha. Fala-se a cada minuto em golpe: da oposição, do governo, do Judiciário…Infelizmente, a nossa História está cheia de episódios semelhantes. A República Velha governou na base do estado de sítio; Getúlio Vargas liderou a “revolução de 30” para depois instaurar o Estado Novo; o mesmo Getúlio viria a se suicidar em 1954 devido a pressões políticas; em 1964, os militares derrubaram o presidente João Goulart, e tivemos 21 anos de ditadura. Mas quando falam em golpe de Estado, quem me vem à mente é o velho imperador D. Pedro II, talvez pela simpatia que tenho por sua figura…O Brasil vivia tempos de crise, a imprensa massacrava o monarca e o exército se revoltava. Mesmo assim, D. Pedro não acreditava que o marechal Deodoro da Fonseca iria traí-lo. Foi surpreendido e expulso do país. E o povo, assistiu a tudo “bestializado”, como foi dito na época. – Márcia Pinna Raspanti.

                 Nascido na vila do Brejo Seco de Araripe, José Alves de Figueiredo tinha dez anos, quando do golpe de 15 de novembro de 1889: “Tinha ouvido falar do velho Imperador como um santo e não sabia até, então, o que significava a palavra República e considerava a Monarquia como uma causa sagrada. Só no dia 16 chegou a notícia a nossa vila… Nesse dia, minha professora explicou o que era a nova forma de governo e suspendendo as aulas, mandou que nós saíssemos agrupados dando vivas à República. Obedecemos e depois de andar um bom trecho calados, sob o olhar curioso da população, eu entusiasmei-me e dei o primeiro viva, meus colegas responderam e tocando fogo no estopim do patriotismo, andamos cerca de uma hora pelas ruas do vilarejo, aturdindo os ouvidos da população com nosso vivas. Fui portanto proclamador da república naquela localidade”.

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               “O meu herói no tempo de menino foi Pedro II. Meu pai, que recebeu mal a república, não se cansava de exaltar as qualidades do velho para todo mundo: sábio, patriota, guerreiro, protetor dos humildes e de todo o mundo”, contou o paraibano Antônio Rocha Barreto, no início do século XX. Eurico de Souza Leão, recifense, discordava: D. Pedro “era uma espécie de velho bonachão, esperando a aposentadoria”. Com oito anos à época e morador da pequena Botelho, Minas Gerais, certo José Augusto Vilas Boas lembrava-se dos foguetes que soltaram. Mas não deviam “ter exilado o Imperador” – lamentou. Outro menino, então, Manuel Duarte lembrava-se de uma poesia que se cantava em Rio Grande: “Desterraram o imperador/ que nos amou cinqüenta anos”. Seu pai era republicano convicto. Filho de um senhor de engenho pernambucano, Teófilo de Barros lembrara que “tinha D. Pedro na conta de um semideus…”. Houve quem achasse “a República uma coisa horrível”. Outras testemunhavam ser a monarquia um “governo aburguesado” e o Imperador “um medíocre, um banana”. Certa Ângela Correia, de Santa Ana do Livramento, no Rio Grande do Sul emprestava uma boneca que tinha “vestida com a indumentária da República francesa” para as procissões de republicanos. Tinha a boneca, mas o pai era monarquista.

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             Aos olhos de Isabel, o dia 15 de novembro de 1889, foi o da “maior infelicidade de nossa vida”! Eram dez horas da manhã quando amigos chegaram ao palácio Laranjeiras, declarando que parte do exército tinha se insurgido e que estudantes da Escola Militar armados tinham se juntado ao batalhão da Lapa. Gastão acabava de chegar de um passeio a cavalo com os meninos. Nos salões um zunzum. Mais amigos encheram as salas. “As notícias que chegavam eram tais que nos pareciam exageradas”: ministério sitiado e o barão de Ladário, morto – fora apenas ferido.

            Ao telefone, os ministérios da Marinha e Guerra disseram nada saber. Mais notícias, porém, davam conta de um golpe do exército, liderado por Deodoro da Fonseca, Quintino Bocayuva e Benjamim Constant. Declararam um governo provisório. Gastão reagiu sem surpresa, sem um gesto de revolta. Proferiu, apenas, “a monarquia está acabada no Brasil”. Isabel disse que “iludida”, achou que a exclamação do marido era pessimismo.

          O amigo Rebouças contou: tinha acordado cedo e desceu às sete e meia de Petrópolis. Ao chegar à Praça Mauá soube de um “motim militar”. Correu à Escola Politécnica que encontrou “invadida por Silva Jardim”. Às onze horas assistiu do balcão de Cidade do Rio, o desfile da artilharia com Deodoro à frente. Ao meio dia esteve no Senado tentando organizar uma contra-revolução. Em vão.

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          Não se sabia como avisar a D. Pedro. O telégrafo estava na mão dos republicanos. Choviam ideias: ele devia permanecer em Petrópolis e internar-se no país, se fosse preciso. Ir à Minas Gerais, talvez? Gastão e Isabel decidiram mandar os filhos para a serra, “fora do barulho”. Rebouças os acompanhou.  Em suas memórias, Luís se lembrou de que a travessia até o fundo da baía foi normal: poucos comentários, clima de tranquilidade e nem foram reconhecidos. Ao saber das notícias, o imperador resolveu vir à Corte.  Encontraram-se no Paço da Cidade. “Papai pensou com sua presença tudo serenar e, portanto não duvidara em descer para o foco, onde estaria mais perto dos acontecimentos e mais depressa providenciar […] Com outras medidas se teria evitado o mal?”, perguntava-se a princesa.

  • Trecho de “O Castelo de Papel”, de Mary del Priore. Editora Rocco.

republ

“Proclamação da República”, de Benedito Calixto.

3 Comentários

  1. daniel
  2. Osvaldo Guarilha
    • Márcia

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