De filha de chefe indígena a rica senhora de sociedade

           Uma das figuras com uma trajetória surpreendente no Brasil do século XVI foi da índia tupinambá (um dos grandes grupos dos povos tupi-guarani) chamada Guaibimpará, que mais tarde seria batizada como Catarina Paraguaçu. Filha do chefe Taparica, foi oferecida pelo pai para casar-se com o náufrago português Diogo Álvares Correia, o famoso Caramuru. O casamento para os indígenas, como explica Jorge Caldeira, era visto como uma união consensual e temporária. No caso, a ligação com o homem europeu era uma forma de selar uma aliança entre os povos. Mary del Priore nos conta como funcionava essa espécie de diplomacia “amorosa”:

Na tradição tribal, a única forma de se relacionar pacificamente com estranhos era integrando-os numa relação de parentesco. Isso ocorria mediante casamento com uma das mulheres da aldeia, fazendo do branco um cunhado ou genro. E, futuramente, um tio, um pai e um avô. Tal estratégia matrimonial não foi uma criação europeia. Foi, sim, um acordo fortuito. Funcionou como um modo de organizar a transição da produção coletiva para a de excedentes regulares – o pau-brasil, sendo o principal interesse do lado europeu – ou a prestação de serviços, como o reparo de naus em troca de instrumentos de ferro e quinquilharias. Os casamentos de aliança tiveram a mesma forma com todos os povos europeus que mantiveram contato na área tupi-guarani. Nomes como os de Caramuru, João Ramalho ou Jerônimo de Albuquerque, “o Adão de Pernambuco”, assim conhecido pelo número de filhos que deixou, são os mais lembrados quando se fala de mestiçagem.

         Diogo Álvares Correia se tornou um importante elo para os negócios entre nativos e europeus, enriquecendo e estabelecendo alianças com tribos vizinhas para suportar o fluxo de comércio. Em 1528, o Caramuru partiu para Portugal com suas “esposas” – a poligamia era bastante comum entre os indígenas. Guaibimpará foi batizada durante a viagem, se tornando Catarina do Brasil, e depois, Paraguaçu. Os dois logo se casaram segundo a tradição católica, mas ela não se esqueceu dos costumes de seu povo, ficando próxima das concubinas do marido, que mantinha a política de selar uniões com as mulheres nativas como forma de consolidar seu poder. Quando o governador Tomé de Sousa chegou ao Brasil, veio instruído por D. João III para se aliar ao influente casal.

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        Em 1557, Diogo morreu. Catarina herdou suas propriedades e posses, tornando-se uma figura importante da incipiente sociedade baiana. Rica e poderosa, Guaibimpará ou Catarina reuniu as características desses dois mundos que entraram em choque com a chegada dos portugueses.  A diplomacia feminina praticada nas aldeias indígenas foi importante para fortalecer a posição do marido no Brasil e para torná-la uma viúva respeitada entre os brancos. Morreu em 1583, deixando seus bens para os monges beneditinos. Uma mulher que soube transitar por duas culturas tão diversas…

 

  • Texto de Márcia Pinna Raspanti.
  • Referências Bibliográficas: “101 Brasileiros que fizeram História”, de Jorge Caldeia, Editora Estação Brasil, 2016 ; “Histórias da Gente Brasileira: Colônia (vol.1)”, Editora LeYa, 2016.

 

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Habitantes da terra, Carlos Julião (séc. XVIII); O sonho de Catarina Paraguaçu, de Manoel Lopes Rodrigues, 1871.

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  1. Henrique Lacerda

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