Por Mary del Priore.
Na passagem de um ano ao outro, uma única certeza: a de que o tempo não nos pertence. Que da mesma forma como as galáxias estão fora de nosso alcance ou que o universo se expande ou encolhe sem que nada tenhamos a dizer, do mesmo jeito, imperturbável, o tempo se enrola e desenrola sobre si mesmo. O tempo não tem dono. Imortal, ele não pára – cantava Cazuza. Enquanto isso, nos queixamos da brevidade da vida, consumidos pela angústia de conhecer a ordem da natureza. Hoje somos flor, amanhã, semente.
Na passagem do ano, fazemos balanços. Nos perguntamos, como no livro do Eclesiastes, se é tempo de plantar ou de colher, de nascer ou morrer, de abraçar ou de esquecer o abraço. Tomamos decisões. Prometemos considerar o presente e o futuro sob uma ótica de responsabilidade. Queremos abrir os braços e os ouvidos aos nossos semelhantes, cuidar e querer bem a quem nos cerca. Repensamos a nossa indiferença, os pequenos egoísmos, as mentiras. Desejamos dizer não às injustiças e sim, a uma vida melhor e ao maior número de familiares e amigos. Nos perdoamos das faltas cometidas e desculpabilizamos dos erros grosseiros. E todos, sem exceção, desejamos sinceramente nos tornar melhores do que somos.
Afinal, é preciso re-começar, com o pé direito, ou entrar com ele na água, que é, desde a noite dos tempos, o símbolo do tempo que corre; o rio da vida. Aquele que os gregos antigos identificavam com o divino Oceanus, uma corrente que circundava a terra, uma cobra que mordia a própria cauda. Já na tradição judaico-cristã, o tempo é uma coisa linear, sujeita à intervenção de Deus e de sua Providência, caminho capaz de levar a humanidade ao paraíso, degrau por degrau. Entre os orientais, o tempo pertence ao principio masculino: o Yang, uma das forças secretas que governa o cosmos, responsável pela criação.
Não importa a interpretação. Viramos o calendário, suportando a passagem da vida com nossos milhares de projetos, alguns realizados, outros não. Apesar do bom astral da data, muitos de nós sentimos medo: passou tão rápido! O que fiz neste ano? E o que não fiz? Mas sabemos também, que a única forma de esquecer a rápida e inexorável passagem do tempo é o amor. Foi apenas por amor, dizem os Pais da Igreja, que Deus deixou sua solidão inicial para criar um ser dotado de livre arbítrio. Foi graças a um beijo generoso que deixamos a animalidade. Foi graças ao sopro divino que a humanidade se fez noiva do Céu. No amor, mesmo adultos nos tornamos crianças. Invertemos assim a marcha dos ponteiros do relógio. Buscamos no outro, o que julgávamos perdido ou deixado para trás. Temos a sensação de cada encontro, é um reencontro. Acreditamos como Aristófanes, no mito do Andrógino. Cremos nas metades partidas que se complementam, na junção das partes separadas, na expressão do amor na continuidade, enfim, cremos no infinito do tempo. Crença que nos libera e salva, dando-nos a oportunidade de começar todo o ano, a cada dia.
Amei o texto, esteja sempre presente em nos agraciar com textos belíssimos!
Um super 2015!
Alaila Resende (Historiadora e arqueóloga)
Cara Mary del Priore,
Muito obrigada por este texto tão inspirador e o lindo convite à reflexão.
Gostaria muito de dizer o quanto você me inspira com seus livros riquíssimos e com a sua posição política a respeito do papel da mulher na sociedade.
Lembro-me a primeira vez que soube da sua existência, há alguns anos atrás assistia ao Programa de lá pra cá, fiquei impressionada com a sua competência histórica e ao mesmo tempo com sua linguagem moderna e instigante. Me deparei então com sua obra muito rica, da qual possuo e li alguns exemplares. Desde sempre tive um interesse por história, que com cada casa ou fotografia antiga com a qual me deparava só aumentou a minha curiosidade em entender melhor sobre o passado a relação com o presente e o futuro. Entender melhor sobre as pessoas e o mundo. Moro há muitos anos fora do Brasil em Berlim, justamente ao lado de onde se passava o terrível muro ( existe um museu à céu aberto no qual existe ainda uma parte do muro) Passo todos os dias por ele e reflito muitas vezes, quantos muros de violência , pobreza e descriminação principalmente no Brasil precisam ser derrubados e definitivamente você, sua obra e esse Blog me enchem de motivação e sabedoria para fazê-lo.
Um abraço enorme !
Sandra Rocha do Monte Bayer
Mary Del Priore, belo texto.
Não é o tempo que passa — não é? — e sim a gente. E a sua eternidade, em termos sociais, me instiga as pemanências em meio às mudanças. Interesso-me também sobre a ética do bem, das miúdas às enormes. Temas presentes no meu romance histórico O Rio e o Mar, em dias do reinado político de Rodrigues Alves e de Pereira Passos. Acabo de lançá-lo em formato de folhetim virtual no endereço http://orioeomar.blogspot.com.br/2014/11/o-mar-capitulo-um-1904.html
Pode imaginar o quanto você esteve presente na construção desse 1904, quando o mar se esbaldava no quintal das poucas casas do arraial de Copacabana e era somente uma atividade terapêutica. No entanto, a prescrição do banho faz desaguar desejos incontidos, enquanto réguas e compassos da modernidade cruzam ambições, jogos de poder, amores vadios e muito mais. É esse O Rio e Mar que convido você e Márcia a visitar.
boas festas e um próspero 2015.
Maria Tereza
Que texto lindo, tocante!!!! Sou uma grande admiradora sua Mary. Parabéns pelo seu trabalho!!!!