Rapto, sedução e estupro

Muitas vezes, o namoro não aprovado pelos pais encorajou o rapto da moça pelo pretendente. Os jornais brasileiros do meado do século, – quem conta é Gilberto Freyre -, estão cheios de notícias sobre o assunto. Eram moças a quem os pais não consentiam o casamento e que afirmavam seu direito de amar, independentemente das situações de raça, dinheiro ou credo. Segundo ele, estas fugas de novela, marcam o declínio da família patriarcal e o início da família romântica. Nela, a mulher começava a fazer valer seu desejo de sexo e de querer bem. “De tempos a esta parte –
comentava o redator do Diário de Pernambuco – têm se tornado frequentes entre
nós os casamentos pelo rapto e acompanhados de tanta imoralidade que espantam e
fazem tremer aqueles que olham para a família como o fundamento da sociedade.

Moças e até moços tem havido que, sendo menores, são raptados das casas de seus pais e daí a pouco estão casados sem a intervenção do consentimento paterno”. O mesmo jornal noticiava em 28 de agosto de 1854: “Mais um rapto teve lugar na madrugada de 20 do corrente. Dizem-nos que ao sair da missa do Livramento foi uma moça violentamente raptada do braço do seu pai, sendo o pretendente acompanhado de alguns auxiliares para o bom êxito de sua diligência como sucedeu […] a sorte das famílias torna-se cada vez mais precária”. Em Niterói, uma jovem fora levada de casa. Na Bahia, o raptor era religioso: Frei Teodoro da Divina Providência.

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O rapto podia ser consentido pela moça sob promessa de casamento da parte do raptor. Muito comum era ambos fugirem à noite, a cavalo; ela montada na garupa, de banda, a cabeça amarrada com um lenço, na certeza da futura aliança. O noivo poderia não ter relações sexuais com ela, depositando-a, a seguir, na casa de uma pessoa importante ou na do juiz da localidade vizinha ou da mesma cidade, onde já se combinara asilo. A moça mandava avisar a família: só sairia de lá casada. Os pais não tinham alternativas. Faziam o casamento sem ser “de gosto”, no dia seguinte; sem festas, sem proclamas. A honra da moça e da família seriam prejudicadas se não houvesse o casamento. Estas soluções foram favorecidas pela intrusão do “juiz de paz” em zona, sublinha Freyre, outrora dominada pela justiça do patriarca da Casa Grande. Intrusão, portanto na justiça do senhor de terras e do grande fazendeiro.

Rapto ou sedução, como os parentes julgavam na época, trazia contrariedades quando o noivo fugia. O pai interpelava o sedutor e o obrigava a casar. Moça raptada que não casou virava “mulher perdida”. E o rapaz que raptasse alguém e não casasse estava sujeito às sanções da sociedade: seria considerado indigno, “roubador da honra”, era expulso da região ou podia ainda ser assassinado ou “capado”. A vingança era executada por parentes da ofendida e eram comuns as vinditas encomendadas a matadores profissionais. O número de fugas de jovens enamorados foi grande no Piauí, conta Miridan Knox, confirmando a intuição de Freyre: “causos” e anedotas procuravam dar conta de raptos que ocorriam como uma reação aos casamentos impostos pelos pais. Neles, nem é preciso dizer que o escolhido pela noiva era sempre alguém de fora da família ou da oligarquia. E não um tio velho ou um primo sem atrativos, tantas vezes empurradas para cima das sinhazinhas.

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A possibilidade teórica de escolha mais livre do cônjuge apareceu em 1813, quando se reduziu a maioridade de 25 para 21 anos. O progressivo aumento da idade mínima para casar – de 12 anos para mulheres e 14 para homens para 14 e 16 respectivamente, em 1890 e 16 e 18 anos em 1916 – passou a oferecer melhores condições para os jovens contestarem casamentos forçados. A fuga e o rapto podiam, sim, significar ideias de liberdade, mas também, podiam significar não ter que fazer a festa; pais havia que não conseguiam seguir a regra de gastar o que tinham e o que não tinham nas bodas!

O triste dos casamentos arranjados é que eles raramente davam alegria às mulheres. Ao passar pelo interior do Ceará, em 1838, o viajante Gardner relatava que, raramente, homens da melhor classe social viviam com as esposas. Poucos anos depois do casamento, separavam-se delas, despediam-se de casa e as substituíam por mulheres moças que estavam dispostas a suprir-lhes o lugar sem se prenderem pelos vínculos do matrimônio. – Mary del Priore

nudez

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  1. Viviane

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