Prostituição e pobreza

A escória era formada por mulheres de casebres ou mucambos, as chamadas “casas de passe” e os zungus. Segundo o doutor Lassance Cunha, tratava-se de “nauseabundas habitações pertencentes a negros quitandeiros” ou os “fundos de barbearias, que por módico preço eram alugados”.  Graças aos prostíbulos, começa a surgir certa remota noção de prazer sexual. As francesas eram renomadas por introduzir homens maduros e adolescentes às sutilizas do amor, por revelar delicadezas eróticas aos mais velhos. Só que ao frequentar o bordel, o homem corria o risco de aprender práticas que ele não poderia, de forma alguma, transmitir à sua legítima esposa. Afinal, uma mulher de princípios, nada devia saber sobre sexo.

Pais endinheirados pagavam cortesãs para iniciar seus filhos, e Mário de Andrade escreveu um belo romance sobre uma governante alemã que é contratada para, entre outras coisas, ensinar aos jovens fazendeiros de café que a linguagem do amor era diferente daquela do sexo. Mas esta outra, a mundana, ela não era só uma prostituta; mas uma preguiçosa, possuidora de predestinação hereditária ao deboche. Enfim, nas capitais onde a burguesia começa a tomar forma, preguiça, luxo e prazer irão se opor aos valores familiares do trabalho, poupança e felicidade.

A prostituição ameaçava as mulheres “de famílias puras”, trabalhadoras e preocupadas com a saúde dos filhos e do marido. Tal ameaça à rainha do lar era feita de duas maneiras – todo desvio de ação, pensamento ou movimento poderia aproximar e confundir o espaço privado da casa com o espaço público da rua. A janela como fronteira entre a casa e a rua foi sempre lugar suspeito e perigoso, havendo muita referência na literatura do século XIX às janeleiras ou aos namoros de janela. A outra ameaça tão séria quanto à anterior era a de ser substituída pela mulher pública e não desempenhar a contento as tarefas e funções impostas. Existindo como o negativo atraente e ameaçador da família, as mulheres públicas foram descritas com todos os vícios, pecados e excessos, que se atribui a uma profissão exercida e até explorada por algumas chefes de família.

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Na tradição cristã que vinha desde os tempos da Colônia, a prostituta estava associada à sujeira, ao fedor, à doença ao corpo putrefato. Este sistema de correlação estruturava a sua imagem; ele desenhava o destino da mulher votada à miséria e à morte precoce. O retrato colaborava para estigmatizar como venal, tudo o que a sexualidade feminina tivesse de livre. Ou de orgíaco. A mulher que se deixasse conduzir por excessos, guiar por suas necessidades, só podia terminar na sarjeta, espreitada pela doença e a miséria profunda. Ameaça para os homens e mau exemplo para as esposas, a prostituta agia por dinheiro. E por dinheiro, colocavam em perigo as grandes fortunas, a honra das famílias. Enfim, era o inimigo ideal para se atirar pedras.

– Mary del Priore

lautrecinspeção

A Inspeção Médica” (1894), Henri de Toulouse-Lautrec.

 

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