Por Mary del Priore.
No cenário político, a melhor notícia dos últimos oito anos foi a indicação de Renato Janine Ribeiro para o Ministério da Educação. Fui sua aluna e sei: ele é brilhante! Além de erudito, um humanista e diplomata. É capaz de tirar um tantinho a tal “pátria educadora” do lamaçal onde se encontra. Nós, historiadores, sabemos que a educação sempre foi uma miragem e a maior parte de nós teve que dar sangue, suor e lágrimas para estudar.
Em entrevista recente, Renato mostrou sua lucidez. Segundo ele, a educação básica é a prioridade política do Brasil há vários anos. “Há pelo menos 20 anos todos os ministros da Educação dizem isso, mas a gente ainda não conseguiu dar um salto de qualidade decisivo nessa área”, explicou. O consenso, porém, é de quem sem educação, nada funciona. Apesar do retrato realista e ruim, vejo grandes esperanças todos nós!!!
Ainda, segundo Renato, “A esperança com a educação não é pequena. A sociedade tem de arregaçar as mangas. O professor tem de voltar a ser respeitado. Precisamos de muitas coisas. Tem a questão do salário, que precisa ser equacionada e se choca com as limitações orçamentárias”.
Deixando de lado a questão do dinheiro que, sabemos, nunca chega, gostaria de me deter na atenção do ministro para outro tema. O do “respeito ao professor”. A expressão vem de encontro ao cotidiano de milhares de nós que não encontra na sociedade, nos alunos e às vezes, entre os próprios pares, o respeito que nos é devido. O dia a dia dos professores tem sido infernal. São infinitas queixas sobre violências, grandes e pequenas, de toda a sorte. A intensidade do sofrimento de professores e profissionais da educação impressiona, mas, disso ninguém fala.
Contra o silêncio e o “constrangimento” – como me disse um deles, dia desses -vamos criar um espaço no blog destinado exclusivamente aos educadores. “Professor: Conte sua História” está aberto para receber todo o tipo de relato que permita compartilhar as dificuldades e as dores da atividade. Precariedade de instalações, violência de alunos, racismo, homofobia, maus tratos, enfim, tudo o que faz parte do cotidiano complicado de tantos de nós. Todas as sextas-feiras, publicaremos textos curtos relatando uma má experiência, que podem vir acompanhados de fotos em boa resolução e que podem também ser assinados sob pseudônimo para evitar perseguições. Vamos começar na semana que vem com uma discussão entre os vereadores da Câmara de Leopoldina (MG) e um professor sobre aumento justo de salários, cercado de grosserias por parte dos políticos!
Queremos o “respeito ao professor”, de volta. A ideia é inaugurar um grande debate e compartilhamento do cotidiano, longe dos discursos utópicos sobre Educação feitos em Brasília. Vamos agir, conversar, dividir nossas experiências e nos ajudar enquanto nos acenam com mudanças.
Participe. Conte a sua história e divida suas experiências com outros profissionais que passam pelas mesmas dificuldades. Mande seu relato para o email do blog: [email protected] .
Projeto “Pensar a Educação, Pensar o Brasil” da UFMG.
“Na opinião do professor, ainda faltam canais na comunicação pública para discutir a educação. “Queremos envolver prioritariamente professores da escola básica, estimados em cerca de dois milhões de profissionais. Nossa estratégia imediata tem sido mobilizar pesquisadores da Universidade no campo da educação para intensificar o diálogo com a escola pública”, informa.
“A educação é um campo muito disputado, que gera muito interesse, e nós temos o que dizer. Não somos a única voz autorizada. A educação pode ser discutida de forma legítima por várias áreas, mas temos a especificidade de desenvolver pesquisas com essa temática, inseridos na Universidade. Não acreditamos que a pesquisa seja o único modo de dizer da educação. É um meio legítimo, tanto quanto os outros”, avalia o professor.
[…]
Das oito ações planejadas, esta é a sétima em implantação. “Estamos trabalhando para lançar, também neste ano, uma revista pedagógica destinada a professores da escola básica. Queremos que ela seja feita de forma conjunta com esses docentes, mobilizando-os a produzir conteúdo que dialogue com a escola básica, promova a divulgação científica e o compartilhamento de experiências”, antecipa.”
FONTE: https://www.ufmg.br/boletim/bol1900/4.shtml
Adorei a iniciativa e vou ficar atenta a todas as publicações.
Também não tolero mais os discursos utópicos sobre a Educação.
Ah! E nem o “Pedagogês” de quem nunca pisou em uma sala de aula ou se esqueceu de que um dia lá esteve, ditando receitas maquiadas de inéditas, como a Alessandra Junho Gama Belo muito bem chamou de “autoajuda”.
Pior ainda, daqueles que insistem em classificar a profissão como nobreza, desses “Nobres Professore” sem pão. E nem dos que defendem a beleza da profissão como um “sacerdócio”, desses “Pobres Professores” sem mais nenhuma fé.
Seria sacerdócio, se tomarmos o sentido literal da palavra, porque continuamos nos sacrificando. Mas longe de tomarmos pra nós essa honra porque, a cada conquista, os méritos recaem apenas sobre aqueles que gozam de total conforto em seus gabinetes com altos salários e ainda nos difamando como insurgentes. Não é apenas o baixo salário que rouba nossa dignidade; nem só o desrespeito enquanto ser humano pela precariedade das instalações em que trabalhamos; ou pela falta de entendimento das causas que nos fazem adoecer. E nos roubam até esse direito. Isso está claramente expresso cada vez que precisamos de atendimento dos serviços de saúde.
É comum, depois de diagnósticos confirmados de doenças características da nossa profissão, como afonia, depressão, L.E.R., Síndrome de Burnout, perda da acuidade auditiva, etc.
Nos vemos obrigados a trabalhar mesmo doentes porque faltas são inadmissíveis!
Se nosso precário estado físico exige um afastamento, os Atestados Médicos de uma classe que se vangloria por se direcionar por um código de ética, além do corporativismo característico, são colocados à prova e até rejeitados nas perícias médicas obrigatórias. Saímos desses exames “de corpo delito” com a nítida sensação de que encenamos todos os sintomas.
AH! E até com a sensação de que somos vagabundos à procura de um pretexto qualquer para não trabalhar!
As coisas boas também são importantes. Mas são mais divulgadas do que os problemas, principalmente a falta de respeito com professoras e professores.
Algo que me chama bastante a atenção é a quantidade de grupos que querem formar professoras e professores: ONGs, movimentos sociais, profissionais de outros segmentos (há advogada/os acham que tem que ter Direito nas escolas; psicóloga/os acham que professoras e professores tem que dominar técnicas de determinada abordagem; nutricionistas acham que tem que ter educação alimentar, etc.).
Faço algumas considerações:
1. Colocar para a escola toda a responsabilidade de educar. E isso não é verdade. A Educação é obrigação da família, da escola e da sociedade.
2. As professoras e os professores que estão na escola ensinam muitas coisas importantes e que já são previstas por lei: ECA, educação alimentar, prevenção contra o uso de drogas, higiene bucal, etc, e muita gente simplesmente desconhece as leis (municipais, estaduais ou federais) que determinam os conteúdos a serem trabalhados e aí ficam falando que a escola tem que ensinar isso ou aquilo e a escola já ensina há um tempão…
3. Quando as pessoas defendem que um conteúdo seja ensinado na escola, raramente vejo isso sendo debatido com as professoras que estão no chão da escola. É como se quem menos soubesse sobre a escola fosse quem está lá diariamente, se responsabilizando legalmente pelas crianças, pelo conteúdo trabalhado, pelo que acontece dentro da escola.
4. Todo mundo fala um monte de coisas sobre outros países mas, no Brasil, brincadeiras e jogos são previstos como recurso pedagógico já nos PCN e RCNEI que foram redigidos na década de 90! E é um recurso educativo muito incompreendido pelas famílias, que reclamam que as crianças “só brincam” na escola… Da mesma forma, a notícia recente sobre a abolição de disciplinas em outro país fala de uma prática que já é adotada e tema de pesquisa no Brasil que é a pedagogia de projetos. Nenhuma das duas práticas é a solução definitiva, pelo contrário, é preciso saber quando e como usar jogos e brincadeiras e quando e como desenvolver um projeto como forma de trabalhar conteúdos.
Bem, é só uma parte de um comentário que poderia ser ainda mais extenso, mas são a ponta do iceberg da desvalorização e desrespeito com professoras e professores.
Alessandra.
Olha, com todo o respeito, ouvir deixemos o dinheiro de lado dói quando a maior rede de educação do país está em greve contra o reajuste ZERO proposto pelo governo de SP (que não quer negociar). Não pode deixar de lado. É essencial! Um professor precisa viajar, consumir cultura, comprar livros, etc. Precisa do mínimo para sustentar sua casa e sua família. A questão do dinheiro urge e já se deixou de lado por muito tempo. Quando verificamos nossos saldos bancários todo 5º dia útil a vontade é de chorar. Damos suor e às vezes sangue. Perdemos nossa saúde, audição, e auto-estima em sala de aula. Somos submetidos à jornadas de trabalho do século 19 (conheço professores que dão 10/12/14 horas de aulas por dia).
O Brasil tem que fazer o impossível para pagar um salário decente aos seus professores. Só aí vamos discutir as outras coisas. Não dá para deixar de lado nem por enquanto e nem nos conformarmos com o “dinheiro que sabemos que não chega”.
Thiago, em nenhum momento foi dito que as reivindicações salariais devem ser esquecidas ou não são importantes. É uma luta justa e fundamental para conquistar a dignidade dos professores. Ninguém deve se conformar com as injustiças. O texto apenas quis colocar em evidência os outros problemas que o professor enfrenta no seu dia a dia, como violência, preconceito e desrespeito. As questões de dinheiro são realmente essenciais, mas também há outras que precisam ser debatidas. Obrigada pelo seu comentário.
Mas a outras questões não são questões exclusivas do professor, mas da sociedade. A sociedade é violenta, preconceituosa, etc… E na sala de aula, um ambiente com forte caráter prisional, e tenso por causa do confinamento, tudo isso explode.
Agora, sabe o que frustra: é o professor não ter espaço (nem tempo e nem recursos) para produzir conhecimento – monopólio da academia. É não poder consumir cultura (que é algo infelizmente caro). É não poder viajar. É ter que ter jornada de exaustiva e se ver frustrado por não ter recursos para dar aulas melhores para os alunos.
Violência não é caso exclusivo da escola. Se nós reclamamos de alguns alunos respondões e mimados, na rede pública, muitos deles tem mais o que reclamar da violência verbal da polícia ou até mesmo – e temos que falar disso sem corporativismo – de professores. Já testemunhei mais vezes violência verbal de professores contra alunos do que alunos contra professores.
Já vi diretora de escola chamando aluno de “bandidinho” . ou “vadia” Já vi coordenadora de escola levando a PM de sala em sala de aula por causa de um intenso “tráfico” de bexigas (ou balões) que os alunos levavam para fazer guerra com água. Enfim, depoimentos de casos de violência contra professores são válidos, mas como historiadores, devemos contextualizar no âmbito da sociedade.
Oi Thiago: considerações interessantes as suas. Gostei muito e acho pertinentes.
Mas quem sabe essa escolha das autoras foi parecida com a que precisamos fazer em uma pesquisa? Às vezes não temos que delimitar para tratar com propriedade?
Certamente, a violência faz parte das complexas relações entre membros da comunidade escolar e não segue só um sentido…
Bem, só comentando… De todo, tenho certeza de que boas professoras e bons professores (e, nisso, penso aqui em profissionais éticos) sabem reconhecer as diferentes situações postas na escola e olhar criticamente para elas como você faz.
Gostei da iniciativa. Vou preparar meu relato.
Fico feliz em poder escrever sobre uma oportunidade como essa. Tenho visto muitas coisas positivas acontecerem na Educação nas duas redes públicas que atuo na Grande Goiânia, mas tenho me assustado com a quase ausência de enfrentamentos por parte de vários professores para situações desafiadoras que ocorrem diariamente nas escolas do Brasil. Muitos professores estão desistindo de atuar significativamente em suas aulas, continuando dentro das mesmas assim mesmo, lembrando que não estou falando de Síndrome de Bounout. É omissão, ausência pedagógica. Quero escrever sobre isto. Sei de dificuldades de origem de omissão ou incompetência estatal e de famílias pouco presentes no projeto de vida de seus filhos, mas não é desculpa para não haver enfrentamentos por falta de professores. Abraços a todos.
Excelente iniciativa.Passamos da hora de poder desabafar num espaço público, além dos sindicatos que nos representam.O respeito e os valores com relação ao magistério precisam voltar.Os melhores profissionais da sociedade é que deveriam querer exercer o magistério, o que não ocorre devido aos baixos salários.Sem contar que a escola pública, por ser universalizada, recebe os indivíduos mais desestruturados da sociedade.Não temos salário, nem infra-estrutura e nem respeito.
CARA MARY PARABÉNS PELA INICIATIVA.SOU DOCENTE UNIVERSITÁRIA E ATUALMENTE EM NADA DIFERE A SITUAÇÃO DOS DOCENTES DOS ANOS INICIAIS,EM CONDIÇÕES DE TRABALHO.ESPERO REALMENTE QUE HAJA UMA ESPERANÇA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA.MAS ESPEREMOS PARA VER.BOAS INTENÇÕES E IDEALISMOS,QUANDO SE CHEGA AO PODER ,TUDO MUDA.ESPEREMOS.OBSERVEMOS.MAS ESPERO QUE ALGO SEJA FEITO EM TODAS AS POSSIBILIDADES EDUCACIONAIS.A PROPÓSITO VAI TRANSFORMAR ESTAS FALAS E DEPOIMENTOS EM ALGUM LIVRO?
Cara historiadora Mary. Parabéns pelos seus bons livros e pela iniciativa. Só acho que deveria ter espaços para boas experiências também. Sou professor de escola pública há 20 anos. Na minha há/houve muitas experiências ruins. Contudo, muitas coisas boas já houve e há. Precisamos desenvolver mais o lado da visão positiva sobre práticas pedagógicas relevantes que há. Obviamente sem fechar os olhos para o que não é bom.
Obs: Meu nome é Paulo Sérgio.
Oi, Paulo Sérgio. Nada impede que divulguemos também as boas experiências. A ideia, porém, é criar um ambiente onde os professores possam “desabafar”, dividir os seus problemas. Com isso, abre-se espaço para que outros educadores, que também tenham passado pelos mesmas situações, possam mostrar soluções e caminhos que encontraram para contornar os obstáculos. Obrigada.
Fico aliviada com seu comentario. O que não está bom tem que ser olhado, mas se ficamos apenas na denúncia não provocamos a mudança. Os exemplos de transformação geram transformação. Os exemplos de superação, inspiram. As conversas de como transformar trazem maiores benefícios que apenas a denúncia ou a queixa.
Excelente iniciativa. Com 40 anos de magistério e 28 de direção, tenho muita coisa pra contar.
Até que enfim uma iniciativa para dar voz às professoras.
Geralmente, as notícias sobre Educação vem de pessoas que não trabalham diretamente na Ed. Básica: são jornalistas, professores universitários, psiquiatras, psicólogos, sociólogos, filósofos, psicanalistas, etc., etc., etc.
As professoras mesmo, que estão no chão da escola diariamente, não tem voz, principalmente as que atuam na Ed. Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Há dois tipos de literatura sobre Educação disponíveis no mercado: uma científica, pouquíssimo acessível para a população em geral porque demanda conhecimento de termos técnicos específicos da área; outra escrita por profissionais que não são da Educação, uma verdadeira “autoajuda” pedagógica…
Penso que as professoras devem enviar seus textos, suas vivências. E não apenas aqui, mas fazer blogs, escrever artigos e destacar a dimensão intelectual da docência. Professoras da Ed. Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental não são mão-de-obra barata! São profissionais que estudaram, que se qualificaram profissionalmente, em cursos de nível superior e em cursos de pós-graduação. Mesmo assim, são extremamente desvalorizadas.
Só discordo sobre o salário: precisa ser EXIGIDO pela sociedade como forma de valorização da docência. Um piso salarial de R$1.917,78 (em 2015) para 40 horas semanais é uma enorme injustiça com as professoras e com a Educação.
Eu também sou contra os discursos utópicos. A Educação é pé no chão, não é linha no horizonte que as professoras andam, andam e nunca alcançam. Fazer da Educação utopia é algo perverso com a sociedade e com as pessoas que trabalham nas escolas. A Educação está aí, acontecendo todos os dias na nossa vida, seja como profissional da Educação ou como estudantes ou como familiares ou como cidadãos. Só não está acontecendo como deveria acontecer… Mas é bem concreta.
Alessandra.