Jogos de Amor nos tempos coloniais

Na América portuguesa, entre os séculos XVI e XVIII, as intimidades foram construindo-se na precariedade e na falta de higiene. Que o diga o poeta Gregório de Matos que nos seus versos nunca esquece o “fedor de Norte a Sul” das mulheres: “bacalhau para a boca e mau bafo para o vaso”. Ou “horrível odre a feder a cousa podre”. As relações despidas de erotismo eram comuns. “Fornicar” era um verbo que conjugava muito, enquanto “caíam saias e calções”. Há poucos registros de uma sensualidade mais elaborada, como vemos na pintura europeia do mesmo período. E a despeito da descoberta de afrodisíacos, tampouco há registros de seu uso ou de sua valorização. O corpo da mulher era diabolizado. Seu útero, visto como um mal. Suas secreções e pêlos usados em feitiços. Seu prazer, ignorado pela medicina, por muitos homens e até por muitas mulheres.

Para as que quisessem as bênçãos do sacramento do matrimônio, a virgindade era obrigatória. A tradição, dotes, heranças e bens assim obrigavam. Adultério feminino? Passível de ser punido com a morte. Afinal, os homens sentiam-se obrigados a lavar sua honra em sangue. O poder masculino dentro do casamento era total. Traições masculinas? Consideradas normais. A bigamia de homens e mulheres era punida com degredo para a África. Muitos preferiam viver segundo os “usos da terra”: em ligações consensuais. E nelas, tanto havia estabilidade quanto mudança de parceiros, em razão de abandono ou morte de um dos membros do casal. As concubinas, e elas eram muitas, eram chamadas de “teúdas e manteúdas”. E crianças de diferentes pais conviviam sob o mesmo teto.

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A perseguição da Igreja católica às formas de prazer sexual dentro do casamento se enraizou com lentidão, mas de forma definitiva. Através do confessionário, das missas dominicais e festas religiosas, pecava-se, é fato. Mas absorviam-se, também, os mandamentos das leis de um Deus severo e casto. A vigilância sobre os corpos e a sexualidade conjugal incentivou a dupla moral dos homens. Em casa, faziam filhos. Era o “trique-trique”, como dizia Gregório de Matos: “O casado de enfadado/ por não ter a quem lhe aplique/ anda já tão desleixado/ que inda depois de deitado/ não faz senão trique trique”.

Mas na rua, eles se divertiam. O sexo masculino ganhava vários nomes: “o Fodedor”, “o Frade”, “o Estoque”. E o mesmo poeta definia o que acontecia nos então chamados “jogos de amor”:

“O Amor é finalmente

Um embaraço de pernas

Uma união de barrigas

Um breve temor de artérias.

Uma confusão de bocas

Uma batalha de veias,

Um rebuliço de ancas

Quem diz outra coisa, é besta” .

– Mary del Priore.

inferno

“Afresco do Inferno”, de Giovanni da Modena.

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