Os historiadores na luta contra a homofobia

Por Mary del Priore.

Outro dia, uma emissora de televisão me pediu que falasse sobre os gays na história da praia de Copacabana nos anos 60 e 70. Escrevi sobre o assunto em Histórias Íntimas e resolvi voltar a ele. Voltar, não só porque TUDO É HISTÓRIA, mas, porque essa nos ajuda a compreender a violência da homofobia em nossa sociedade!

Aqeules foram tempos em que muitos homossexuais deixaram as cidades do interior, para se instalar nos centros urbanos. Os migrantes gays escapavam assim a exigência familiar da província onde a pressão para “ter um relacionamento normal” era terrível. A atração das capitais com a variedade de empregos, opções de lazer, vida noturna e diversão prometia a almejada liberdade. A fuga significava o fim da coação para “se comportar como os outros”.

Vale à pena lembrar que os gays nascidos entre os anos 30 e 50 tiveram pais absolutamente convencidos da “anormalidade” de sua opção. O nome que o “mal” tinha era “pederose”- registrava o médico Hernani Irajá. O combate ao “despudor” e às figuras “dúbias ou almofadinhas” com suas “calças justas para exibir as nádegas arredondadas”, estava em toda a parte. Era consenso, então, que sua doença era razão para enfraquecimento não só da família, ou da sociedade, mas, sobretudo da nação! Como constituir exércitos entre a I e a II Guerra Mundial com o risco de engajar um desses “antissociais”?! Na época em que heróis musculosos invadiam as telas de cinema – penso aqui no Tarzã de John Weismuller – como tolerar o convívio com criaturas frágeis e viciosas? O médico Leonídio Ribeiro recomendava, com grande simplicidade, “o transplante de testículos”!!! Outro doutor, Jorge Jaime, que os gays se casassem entre si. Única forma de evitar a prostituição masculina ou o assédio aos mais jovens. Casados, “sinalizariam à sociedade sua anormalidade” – dizia convicto! Não à toa, casais gays reproduziam o padrão social de diferença de gêneros. Um era a “boneca”, feminina e voltada aos afazeres domésticos como as jovens dos Anos Dourados. O outro era o bofe, másculo, forte, macho e… na maior parte das vezes, casado e pai de filhos.

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Não era nada fácil. O assunto era segredo e só restava aos jovens, filhos de pais terrivelmente conservadores, escapar. O Rio de Janeiro atraia por seu papel de capital cultural e oportunidade de inserção profissional.

Os anos 70 foram aqueles do “Flower Power”, do LSD e dos movimentos hippies. O “poder alegre” – tradução de “Gay Power” – começava a aparecer. Copacabana bombava com sua galeria Alaska, casas noturnas como Le Club, Sótão e La Cueva, saunas e a “Bolsa de Valores” -, trecho da praia onde a comunidade se reunia e os michês iam faturar, permitindo contatos, amizades e “fechação”. O vocabulário identificava os pares: “beijinho no ombro”, por exemplo, era expressão gay. O shopping da Siqueira Campos reunia os intelectuais entre os quais o grande escritor argentino Manuel Puig, autor de “Boquitas pintadas” e “ O beijo da Mulher Aranha”.

Mas, o preconceito corria solto. Até revistas encarregadas de discutir os avanços da sexualidade, como Ele & Ela cheia de dedos, considerava, o homoerotismo “a mais discutida e disseminada forma de desvio sexual” enquanto o “grupo da Miguel Lemos” se reunia para “caçar e bater em viado”.

Copacabana foi uma pequena boia de salvação, identificada a uma réplica da São Francisco californiana. A praia de dia, e boates e bares à noite, permitiram a organização de grupos e plantou a ideia da abertura em relação ao assunto. Infelizmente, a chegada da AIDS nos anos 80 calou as iniciativas. Artistas e intelectuais conhecidos começaram a morrer. Identificados a “aidéticos ambulantes” eram alvo fácil de comentários e atitudes homofóbicas até dentro dos hospitais, onde fechavam os olhos. Famílias repudiavam e enterravam seus filhos ou maridos ainda em vida. A ordem era: silêncio!

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Digo isso, pois hoje, Copacabana sedia uma das maiores Paradas Gays do mundo. Infelizmente, o preconceito continua alimentado por pastores evangélicos que querem “curar a doença”. Fica uma sugestão: porque não usar a passeata para fazer uma verdadeira campanha de educação anti-homofobia? Gente, todos sabemos: a violência só vai diminuir com EDUCAÇÃO! E nós, historiadores, não podemos ficar fora dessa luta.

 

 

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Foto da Parada Gay em Copacabana (2013).

2 Comentários

  1. William Fonseca Freire

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